BORA GINGÁ, CAMARÁ?

Se você nasceu no Brasil, em algum momento da sua vida já deve ter visto, ouvido ou até mesmo praticado capoeira, não é mesmo

Presente em diversas manifestações culturais (feiras, festas regionais, literatura, letras de músicas de compositores da MPB, telenovelas, grupos organizados em academias e, mais recentemente, escolas convencionais e universidades) a capoeira apresenta um longo percurso histórico, sendo reconhecida mundialmente. Mas espere um pouquinho: ela é uma luta ou uma dança? É uma filosofia de vida ou é um esporte? É brasileira ou africana? Afinal de contas, de onde ela vem? 

Calma, camaradim! Para entender um pouco mais, precisamos gingá devagar, sentir no corpo o som do berimbau, ouvir as cantigas de roda e as ladainhas. Para aprimorar o seu conhecimento sobre este patrimônio cultural, assista ao vídeo seguinte e preste bastante atenção nos tipos de sentido produzidos pela voz e pelos instrumentos:

Ouça também canções que incorporaram o tema da capoeira. Seguem aqui algumas sugestões: 

                a) Capoeira mata um, interpretada por Jackson do Pandeiro

                b) Domingo no parque, interpretada por Gilberto Gil Gilberto Gil – “Domingo No Parque” – Gilberto Gil (1968) – YouTube 

                c) Capoeira Camará interpretada por Jair Rodrigues Capoeira Camará – YouTube

A partir desses textos, é possível notar que a musicalidade da capoeira retrata, direta ou indiretamente, narrativas do povo afro-brasileiro e da própria África. Pois é! Por isso, torna-se necessário fazer uma retrospectiva sobre a presença e a contribuição cultural da Diáspora Africana no nosso país. Você provavelmente já deve ter estudado o tema da escravidão na escola, certo? Milhares de seres humanos, vindos de diversas regiões do Continente Africano, foram sequestrados e forçados a migrar para o que hoje chamamos de Continente Americano. Isso de fato aconteceu; no entanto, eles também resistiram fugindo de fazendas para os quilombos, escondendo-se no meio das matas e escapando para as cidades. 

As diversas sociedades africanas que chegaram no Brasil trouxeram várias experiências culturais de diferentes regiões de seu continente e assim formaram novas, como a capoeira. A palavra tem origem indígena e foi entendida ao longo dos séculos de duas maneiras: a) cesto em formato circular, que serve para transportar pequenas aves; b) local onde o mato é baixo, rasteiro. Ela era praticada por grupos sociais de africanos escravizados, africanos livres, descendentes de africanos e até mesmo por alguns descendentes europeus que utilizavam dos conhecimentos dessa arte para defender-se de situações de agressão, para cometer delitos e até mesmo para prestar serviços de segurança, sendo chamados de leões de chácara. De acordo com alguns estudiosos, a capoeira era praticada nas regiões de mato e passou a ser proibida por lei de 1890 a 1937. Entretanto, os capoeiristas souberam se esquivar da repressão, apresentando em suas demonstrações duas características que se misturaram: a dança, enquanto brincadeira, muitas vezes acompanhada pelos sons dos berimbaus e outros instrumentos de percussão; e a luta, através de técnicas de rasteiras, chutes e cabeçadas mostradas mas não executadas. Yê! A volta ao mundo, Camará!!! Yê, sabe jogá, Camará?

A partir de 1938, a capoeira deixou de ser considerada ilegal. Dois proeminentes capoeiristas reconhecidos pelas comunidades de culturas afrodescendentes foram, ao longo dos anos, difundindo-a em diferentes espaços: Manoel dos Reis Machado, o mestre Bimba, responsável pela Luta Regional Baiana ou Capoeira Regional, e Vicente Ferreira Pastinha, o mestre Pastinha, organizador da Capoeira Angola. Muitos outros capoeiristas ou praticantes já ensinavam e aprendiam nas cidades e zonas rurais. Contudo, foi com estas duas vertentes que ela chegou a ser organizada nos dias de hoje e praticada em várias partes do mundo. Veja a tabela abaixo com um pouco mais de detalhe sobre as formas desta arte ao longo do tempo:

Séculos

XVIII e XIX

Capoeira “escrava”: Alguns estudiosos a nomeiam assim por ser uma prática encontrada em registros policiais, de cronistas e viajantes europeus, no período dos séculos XVIII e XIX na América Portuguesa. O uso do termo está associado à condição que os africanos e seus descendentes estiveram durante este período. Trata-se de uma modalidade presente nas festas feitas dentro e/ou ao redor das senzalas e nas praças públicas onde libertos e escravizados se encontravam.

Século

XX

Capoeira Angola: Vinculada tanto ao nome que davam aos africanos vindos da região de Angola no período da escravidão, quanto aos praticantes dessa arte que se identificavam com os valores culturais das civilizações Bantu e Iorubá, quanto ao uso de tambores e berimbaus, essa modalidade configura-se a partir de Vicente Ferreira Pastinha em sua academia denominada C.E.C.A (Centro Esportivo de Capoeira Angola) em 1941. Ela apresenta características básicas como o uso de uniformes dos capoeiristas associados a uma determinada escola, em que a figura do mestre é a daquele responsável por formar discípulos em uma linhagem específica. Há também uma orquestra composta pelos seguintes instrumentos musicais: três berimbaus, dois pandeiros, um reco-reco, um agogô de ferro e um atabaque. Quando a Capoeira Angola é executada, uma roda é formada e os jogadores que tocam os berimbaus cantam uma ladainha, um tipo de canto que narra um acontecimento passado, um aviso sobre o jogo ou um tema religioso.

Capoeira Regional: O nome vem da formulação feita por Manuel dos Reis Machado, o mestre Bimba. Em 1937 ele fundou a primeira academia de capoeira: o Centro de Cultura Física e Luta Regional. Esta prática, embora apresente elementos herdados da capoeira Angola,  insere movimentos provenientes de outras artes marciais em termos de ataque e defesa. Sua bateria musical é composta por um berimbau e um pandeiro.

Capoeira Contemporânea: Criada por alguns alunos de mestre Bimba na década de 1970, é conhecida dessa maneira pela tendência de fundir, de acordo com os seus idealizadores, aspectos da Capoeira Angola e Regional com elementos da ginástica olímpica. Além de haver variações de instrumentos na orquestra, composta por berimbaus, pandeiros e atabaque, o processo formativo ocorre por meio de cordões coloridos usados como modo de graduação.

Século

XXI

Séculos

XVIII e XIX