Pode O Slam Conectar A Juventude À Poesia Em Sala De Aula?
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PODE O SLAM CONECTAR A JUVENTUDE À POESIA EM SALA DE AULA?
A poesia é um gênero literário importante no ensino da Língua Portuguesa na escola, pois auxilia na compreensão de contextos, sentimentos, ideias e críticas tanto por meio de seus conteúdos quanto pelas formas utilizadas pelos seus criadores. Contudo, parte dos estudantes não gosta ou tem dificuldade de ler este texto, principalmente quando o mesmo pouco dialoga com a realidade deles. Então, será que o Slam pode ser uma forma de aproximação entre o corpo discente e a poesia?
O que é Slam?
Trata-se de uma competição/batalha de poesias faladas cujas regras gerais são produção autoral (de no máximo 3 minutos) e apenas o uso do corpo e da voz para a apresentação. No final, o texto e a performance recebem uma nota (de 0.0 à 10) de jurados escolhidos de forma aleatória em meio ao público. O primeiro Slam (Uptown Poetry Slam)foi criado pelo trabalhador Marc Smiths em Chicago, Estados Unidos, em 1986. O evento tinha o propósito de levar poesias para outros lugares, além da universidade, de modo que as pessoas pudessem declamá-las e apreciá-las democraticamente. Dessa maneira, as batalhas aconteciam em bares, cabarés ou teatros nos quais o público pagava um valor monetário que era dado ao poeta (slammer) vencedor.
Neste mesmo contexto, o movimento Hip Hop foi criado e desenvolvido nas grandes cidades dos Estados Unidos, fato que marcou a década de 1980 como o período de renascimento da poesia estadunidense, pois o Slam e o Hip Hop fizeram um enorme sucesso ao produzir textos que dialogavam com a realidade do público.
Com o movimento do Slam também veio a proposta de disseminação de cultura. Então, qualquer grupo de pessoas pode criar uma batalha de rimas em sua localidade. Atualmente, ocorrem competições em todo o mundo. Inclusive, há a Competição Mundial que acontece todo ano na França e reúne os melhores slammers da cena internacional.
E como o Brasil entra nessa história?
O primeiro evento criado no Brasil – ZAP! Slam (Zona Autônoma da Palavra) – foi uma proposta da poeta e atriz Roberta Estrela D’Alva, que já participava de peças teatrais e conheceu esta artepor meio de vídeos no Youtube. Após obter uma oportunidade de ir aos Estados Unidos e frequentar um Slam, ela teve a ideia de produzi-lo aqui no Brasil. A primeira batalha do ZAP! Slam ocorreu em 2008 no Teatro Núcleo Bartolomeu de Depoimentos em São Paulo.
O contexto brasileiro era propício para esta nova prática: o movimento Hip Hop estava consolidado na cena cultural e já havia inúmeros Saraus de poesia (desde a década de 1980) espalhados pela cidade de São Paulo.
Aqui o Slam foi ressignificado/transformado, passando a acontecer em praças, terminais de ônibus, pistas de skate e outros locais públicos, e o Slam da Guilhermina, criado em 2012, foi o primeiro a acontecer na rua. No mesmo ano, outros Slams foram feitos e o número cresceu significativamente. Acredita-se que haja pelo menos oitenta grupos espalhados no país. Além disso, ocorre anualmente o Slam BR, uma competição nacional na qual participam os slammers escolhidos ao longo do ano e ao vencedor é garantida uma vaga na competição Mundial.
Foto: A poeta Kimani na apresentação final do Slam BR em 2017
Fonte: Revista Piaui (2019)
Por ser um evento aberto e acolhedor, o Slam consegue reunir as pessoas mais diversas possíveis – basta ter uma poesia e coragem para declamá-la! Nesse sentido, muitos jovens frequentam inúmeras batalhas de rimas ao longo do mês e várias delas, principalmente as criadas na cidade de São Paulo, possuem propostas e desafios diferentes.
Por que utilizar Slams na escola?
Primeiro porque as batalhas poéticas já fazem parte do cotidiano de muitos estudantes e segundo porque elas acabaram se tornando um lugar de aprendizagem que possibilita expressar sentimentos, falar de experiências e desenvolver atitudes de protagonismo, seja como público/espectador seja como slammer. Desse modo, não seriam os Slams uma potente prática pedagógica? Pois é! Muitas escolas entenderam que sim e já chamam poetas conhecidos neste circuito para darem palestras, declamar poemas e conversar com o corpo discente durante as aulas. O Slam da Guilhermina, por exemplo, tem o projeto Slam Interescolar cuja proposta é oferecer oficinas de escrita, performance e voz para estudantes e docentes. Nessas atividades, muitos se descobrem poetas, se sentem mais à vontade para frequentar o espaço escolar, os rendimentos de aprendizagem crescem e gestores e coordenadores passam a valorizar mais a importância do protagonismo juvenil.
Agora, como escolher e utilizar um Slam para ser trabalhado em sala de aula?
Esta parte pode ser mais complexa, mas a dica é saber quais assuntos atravessam a experiência vivida do corpo discente, fazer levantamentos de produções locais e globais, escolher repertórios de modo democrático e incentivar a pesquisa e a produção de Slams no espaço escolar. Vamos analisar o Slam Amor entre os trilhos, da poeta Renata Ravok, conhecida também como Abruptamente, para termos um exemplo?
Como quando a água reflete um tanto distorcido
O Narciso que se olha a beira do desconhecido
Os nossos contrários se encontram na estação Paraíso
O meu amor, se você não vê, é cheio dos defeitos
Eu saio pelas ruas de SP na impulsividade que me rasga o peito
Eu te escrevo de todas as formas, métricas intangíveis, contrários éticos
O meu amor a você são como protestos poéticos
São como músicas do Caetano
Eu sou do contra, mesmo não sendo do teu agrado
Eu não sei se vou ou se fico
E hoje à noite estou imersa de saudade nas ruas de São Bernardo,
Tão cheia quanto a estação Brás em horário de pico
Ao fechar meus olhos, eu repouso na sua lembrança
Os meus sentimentos transbordam
E como algo presente, ouço nossas ressonâncias nos meus cuidados com o vão entre o trem e a plataforma
Entretanto, nos amávamos como assim pedia nossa natureza
Agora gritam os desencontros, encontro profano na linha Turquesa
Aprofundo meus olhos como alguém que se afoga
E um dia eu hei de arder em sua frieza
E eu já não sei o que eu faço, se eu te levo ou se te traço
No espaço dos meus versos, no caminho dos meus braços
Eu me deparo na estação Liberdade
E nos finais do que aprofunda na beleza da fatalidade
Eu percebi que a Barra era mais Funda
Eu grito pra toda a República que te adoro, te devoro
Mas aos sábados meus gritos não alcançam a Marechal Deodoro
Ontem, eu pensei em você 99 vezes, mas hoje foram só 98
Até apagarem as luzes, cuidado, você está me perdendo aos poucos
Eu te fiz uma prosa, eu te dei margaridas,
eu passei pela Brigadeiro evitando o amargo da vida
sentido o doce do teu cheiro
uma lembrança renascida
E na Guilhermina, meu coração foi se enchendo de Esperança
De perto eu não quero que saia,
E se te vejo de saia, meu coração balança
Enrolávamos na rede, molhávamos acabando com toda a sede do deserto do Saara
Assim mesmo, no pretérito imperfeito pois só no perfeito não nos bastávamos
Erámos mais do que a água e a terra, mas do descaso nos tornamos refém
No meu peito se encerra
Próxima estação Consolação, desembarque pelo lado esquerdo do trem.
(Amor entre trilhos – Renata Ravok a.k.a. Abruptamente)
O texto é interessante porque retrata como o amor pode mexer com os nossos corações de forma avassaladora através de uma série de jogos de palavras. É possível explorar as características da poesia (eu-lírico, verso, estrofe, rima, forma) bem como os significados da descrição contraditória sobre o amor.
Ainda assim, uma intertextualidade com o famoso soneto de Luís Vaz de Camões, o Amor é fogo que arde sem se ver, pode ser promovida para debater questões de autoria/produção feminina e masculina de poesia em determinados contextos sociais. Observe o texto para compreender o possível diálogo.
Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Além disso, é importante destacar que a poeta Renata Ravok utiliza criativamente localidades em São Paulo para expressar o seu caminhar pela cidade, suscitando questões de urbanidade, de mobilidade e de processos históricos relacionados às nomeações das estações de trem/metrô. Todos estes eixos aqui apontados podem fazer parte da vida dos estudantes direta ou indiretamente; podem servir de objeto de ensino, até mesmo para as disciplinas de História e Geografia; e, por fim, podem estimular práticas de leitura e escrita por meio da poesia, competências/habilidades centrais na BNCC e cotidianamente feitas pelos Slams. Viu só como eles podem conectar a juventude à poesia em sala de aula?