Etnomatemática

📚 Etnomatemática Africana: Saberes Ancestrais em Linguagem Numérica

🧠 Introdução

A Etnomatemática Africana é o estudo das práticas matemáticas desenvolvidas por diferentes culturas do continente africano ao longo da história. Ao contrário da visão tradicional da matemática como uma ciência universal, abstrata e desvinculada de contextos culturais, a etnomatemática reconhece que povos africanos — como os egípcios, iorubás, bambaras, zulus e muitos outros — produziram saberes numéricos sofisticados com finalidades práticas, sociais, espirituais e estéticas.

Esses conhecimentos aparecem em diversas áreas da vida: na organização espacial de vilarejos, na simetria e repetição de padrões geométricos em tecidos e máscaras, em sistemas únicos de contagem baseados em estruturas linguísticas e filosóficas próprias, e até em jogos tradicionais que exigem raciocínio lógico, estratégia e probabilidade.

Você sabia?

Alguns sistemas africanos de contagem, como o dos iorubás, são estruturados em agrupamentos que incluem subtrações, como "quatro menos um para cinco", revelando uma lógica numérica única e refinada.

📖 Contextualização Teórica

O campo da etnomatemática foi desenvolvido a partir dos estudos de Ubiratan D’Ambrosio, matemático brasileiro que propôs uma nova forma de entender a matemática enquanto produção cultural. A proposta rompe com a ideia eurocêntrica de que o conhecimento matemático é neutro ou exclusivo do Ocidente, evidenciando que todos os povos, em diferentes contextos históricos, desenvolveram formas próprias de lidar com quantidades, medidas, relações espaciais e estruturas simbólicas.

No caso africano, as contribuições são diversas e amplas. Os fractais encontrados em arquiteturas tradicionais da África Ocidental, por exemplo, revelam um alto nível de sofisticação geométrica. O sistema de contagem iorubá, que usa agrupamentos de base 20, desafia o modelo decimal dominante. Os bambaras do Mali atribuem significados morais e espirituais aos números. E os jogos como o mancala ensinam, por meio da ludicidade, estratégias de distribuição, previsão e cálculo.

Esses exemplos comprovam que a matemática também é vivida, experienciada e transmitida por meio da oralidade, do cotidiano e da espiritualidade — ampliando o que consideramos válido como produção matemática.

Tabuleiro de Mancala africano

Tabuleiro de Mancala tradicional no Museu de Uganda

Exemplo de fractal africana

🏫 Relevância em Sala de Aula

Ensinar Etnomatemática Africana é uma oportunidade de construir uma educação antirracista, crítica e plural. Ao integrar saberes africanos no ensino de matemática, o/a professor/a contribui para a valorização das identidades negras e para o combate ao epistemicídio — a invisibilização histórica dos conhecimentos produzidos por povos não europeus.

Para estudantes negras e negros, esse conteúdo oferece representatividade e autoestima. Para toda a turma, proporciona um olhar mais amplo e sensível à diversidade cultural, histórica e científica da humanidade. Além disso, mostra que a matemática não está dissociada da vida: ela é uma linguagem que serve para organizar, comunicar, expressar e compreender o mundo.

A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) destaca a importância de trabalhar com a diversidade de saberes e culturas na Educação Básica, incentivando práticas pedagógicas que dialoguem com a realidade dos estudantes. A etnomatemática é, portanto, um excelente caminho para cumprir esse objetivo de maneira criativa, interdisciplinar e socialmente relevante.

🎯 Objetivos da Aula

  • Compreender a matemática como um conhecimento cultural e plural.
  • Reconhecer e valorizar os saberes matemáticos africanos.
  • Explorar conceitos matemáticos como simetria, base numérica e probabilidade por meio de elementos culturais.
  • Fomentar práticas pedagógicas antirracistas e interdisciplinares.
  • Desenvolver atividades práticas e reflexivas que estimulem o pensamento crítico e a criatividade.

✅ Competências da BNCC para Etnomatemática Africana

📐 1. Competências Específicas da Área de Matemática (Ensino Fundamental)

  • CEMAT01: “Utilizar estratégias, conceitos e procedimentos matemáticos para interpretar situações em diversos contextos” – reforça a contextualização cultural em nossas atividades (fractais, base 20, mancala).
    Fonte: ri.unir.br, educacaopublica.cecierj.edu.br, revistavalore.emnuvens.com.br
  • CEMAT03: “Utilizar estratégias, conceitos, definições e procedimentos matemáticos para interpretar, construir modelos e resolver problemas em diversos contextos, analisando a plausibilidade dos resultados...” – aplicável ao construir padrões, converter sistemas e jogar mancala.
    Fonte: educacaopublica.cecierj.edu.br
  • EM13MAT105: “Utilizar as noções de transformações isométricas (translação, reflexão, rotação...) e homotéticas para construir figuras e analisar elementos da natureza e diferentes produções humanas (fractais, construções civis, obras de arte, ...)” – diretamente ligado à aula de fractais e simetria.
    Fonte: educacaopublica.cecierj.edu.br
  • EM13MAT310: “Resolver problemas de contagem envolvendo agrupamentos ordenados ou não de elementos, por meio dos princípios multiplicativo e aditivo...” – aplicável ao trabalho com a base 20 e os agrupamentos no mancala.
    Fonte: educacaopublica.cecierj.edu.br
  • EM13MAT315: “Investigar e registrar, por meio de um fluxograma, um algoritmo que resolve um problema.” – permeia a criação de estratégias próprias no jogo ou padrões geométricos.
    Fonte: pt.wikipedia.org, educacaopublica.cecierj.edu.br, blog.institutosingularidades.edu.br

🌍 2. Competências Gerais (BNCC)

Competência Descrição Fonte
1 Reconhecer a matemática como ciência humana e cultural – materializado ao valorizar saberes africanos. pt.wikipedia.org, revistavalore.emnuvens.com.br, o.institutoreuna.org.br
2 Desenvolver raciocínio lógico, espírito investigativo e argumentação – estimulado nas atividades de desenho, conversão, jogo e criação.
7 Discutir projetos com base em princípios éticos e democráticos, valorizando a diversidade de culturas.
8 Interagir e trabalhar coletivamente em pesquisas e resolução de problemas – presente em todas as dinâmicas de grupo.

🧭 Conexão BNCC ↔ Aulas

  • Aula de Fractais & Simetria: Desenvolve EM13MAT105 + competências gerais 1, 2, 7, 8.
  • Aula de Base 20 & Filosofia Numérica: Trabalha EM13MAT310, CEMAT01, CEMAT03 + competências gerais 1, 2, 7, 8.
  • Aula de Mancala: Envolve EM13MAT310, EM13MAT315 + competências gerais 2, 7, 8.
  • Aula de Síntese: Consolida todas as habilidades + reflexão crítica, empatia e pluralidade.

AULA 1 – Fractais e Simetria: A Geometria dos Povos Africanos

Objetivo:

Compreender o uso de padrões geométricos como fractais e simetrias em manifestações culturais africanas, relacionando-os com conceitos matemáticos.

Início:

Apresente aos alunos imagens de vilarejos africanos organizados em estruturas geométricas repetitivas, como os da África Ocidental. Mostre como esses padrões se repetem em diferentes escalas — da planta de uma casa à disposição de uma aldeia — e introduza o conceito de fractais.

Explique que fractais são formas que se repetem dentro de si mesmas e que, ao contrário do que parece, não são exclusivos da matemática moderna. Povos africanos utilizam essas estruturas há séculos, ligando-as à organização social, cosmologia e estética.

Desenvolvimento:

Divida a turma em grupos e entregue imagens de arte africana: máscaras, tecidos, cerâmicas, trançados de cabelo. Peça que identifiquem padrões de simetria (bilateral, radial, translacional) e fractais.

Cada grupo irá desenhar, com régua, lápis e papel quadriculado, um padrão geométrico inspirado nos exemplos. Estimule a experimentação de simetria e repetição.

Fechamento:

Promova uma roda de conversa:

  • Como esses padrões podem expressar conhecimento matemático?

  • Por que esses saberes foram ignorados pela ciência ocidental?

  • O que aprendemos sobre a relação entre arte, espiritualidade e matemática?

Finalize reforçando que a matemática também é uma linguagem cultural, e que muitos povos africanos foram pioneiros em seu uso estético e funcional.

AULA 2 – Contagem em Base 20 e Filosofia dos Números na África

Objetivo:

Explorar os sistemas numéricos africanos, com foco na base 20 iorubá, e compreender os significados culturais e filosóficos atribuídos aos números por diferentes povos.

Início:

Apresente a base 20 como alternativa à base 10 ocidental. Mostre, por exemplo, como os iorubás dizem “25” como “20 e 5”. Faça comparações com outras bases (como base 60 na Mesopotâmia, ainda usada para medir tempo).

Explique que o sistema iorubá é altamente lógico, muitas vezes representado em palavras compostas e operações mentais complexas — e que ele se conecta com a oralidade e estrutura da língua.

Desenvolvimento:

Distribua uma tabela com os números de 1 a 40 em iorubá. Peça que os alunos tentem encontrar padrões de composição. Depois, proponha um desafio:

“Como se diria o número 33 nesse sistema? E o 46?”

Introduza a filosofia numérica Bambara, que associa números a significados espirituais e éticos. O número 3, por exemplo, pode representar equilíbrio e mediação; o 2 pode ser visto como dualidade e oposição. Convide os alunos a pensar:

“Qual número representa você hoje? Por quê?”

Fechamento:

Peça que os alunos escrevam frases poéticas sobre um número, unindo quantidade e significado. Exemplo:

“Sou o quatro: os pés no chão e os olhos no horizonte.”

Explique que compreender esses sistemas amplia o olhar sobre o que é matemática e abre caminhos para pensar criticamente a diversidade de saberes.

AULA 3 – O Jogo Mancala: Estratégia, Contagem e Cultura

Objetivo:

Vivenciar o raciocínio lógico e a contagem através do jogo tradicional africano Mancala, conectando ludicidade à matemática.

Início:

Apresente a história do jogo Mancala (ou Oware), presente em mais de 30 países africanos, com nomes e regras diversas. Explique que ele é muito mais que um passatempo: é um instrumento de cálculo, estratégia e até de tomada de decisões.

Mostre um vídeo com crianças africanas jogando Mancala. Explique que ele se baseia em contagem, previsão e análise de jogadas — habilidades que também são treinadas em problemas matemáticos formais.

Desenvolvimento:

Monte tabuleiros com caixas de ovo e grãos (ou use versões digitais, caso disponíveis). Explique as regras básicas:

  • Cada jogador tem 6 buracos à frente e um “armazém”.

  • O objetivo é capturar o maior número de sementes.

  • As jogadas envolvem calcular onde cairá a última semente — exigindo contagem reversa e antecipação de movimentos.

Depois de cada rodada, os alunos devem anotar:

  • Quantas sementes moveram.

  • Por que escolheram aquele buraco.

  • O que aprenderam com a jogada.

Fechamento:

Promova uma breve análise:

  • Que tipo de raciocínio usamos no Mancala?

  • Esse jogo exige mais lógica, sorte ou observação?

  • Como jogos podem ensinar matemática de forma diferente?

Proponha um desafio: criar uma variação do Mancala com regras próprias. Isso estimula a criação de algoritmos e testagem de hipóteses — fundamentos da matemática e da programação.

AULA 4 – Síntese Crítica: A Matemática como Herança Cultural

Objetivo:

Integrar os conhecimentos adquiridos sobre etnomatemática africana em uma produção coletiva que valorize os saberes diversos.

Início:

Retome os principais conteúdos vistos:

  • Fractais e simetria como linguagem visual e espiritual.

  • Sistemas numéricos como formas culturais de organizar o mundo.

  • Jogos como ferramentas de raciocínio e expressão comunitária.

Pergunte:

O que mudou na forma como vocês enxergam a matemática?
O que podemos fazer com esse conhecimento em nossa comunidade?

Desenvolvimento:

Divida os alunos em grupos para criação de uma apresentação final:

  • Pode ser um mural com desenhos de padrões fractais.

  • Um mini documentário gravado com celular.

  • Uma peça curta dramatizando um jogo tradicional.

  • Uma exposição com máscaras e números simbólicos.

O importante é que eles escolham livremente como expressar a matemática como herança cultural.

Fechamento:

Organize uma “Feira da Etnomatemática”, com cada grupo apresentando seu trabalho. Convide outras turmas ou a comunidade escolar.

Finalize com uma carta coletiva à escola, solicitando a inclusão permanente de saberes afro-brasileiros nas disciplinas de matemática e ciências.

📚 Referências

               Novos caminhos para o aprendizado

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