GÊNERO E SEXUALIDADE: TEXTO FORMATIVO

(1) Compreender os elementos culturais que constituem as identidades;

(5) Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.

(EM13CHS104) Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço;

(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.

Gênero e sexualidade: entendendo suas diferenças

Diversas questões ligadas à sexualidade e às relações de gênero estão presentes no cotidiano escolar. Embora estes temas estejam diretamente relacionados à aprendizagem ou à continuidade da vida escolar, eles nem sempre são trabalhados com a devida profundidade em sala de aula e nas formações de professores.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgados no Atlas de Desigualdade de Gênero na Educação, cerca de 16 milhões de meninas entre 6 e 11 anos nunca irão à escola, frente a 8 milhões de meninos que nunca frequentarão as salas de aula. Sendo assim, levar o debate sobre gênero e sexualidade para as escolas é uma forma de garantir que homens e mulheres, meninos e meninas tenham os mesmos direitos, independentemente da identidade de gênero ou da orientação sexual. 

Desde 2016, a (Unesco) no Brasil  enfatiza a importância de se articular melhor o debate sobre sexualidade e gênero nas escolas de modo que possamos ter  uma educação mais inclusiva. A proposta da Organização é que a legislação, bem como os planos educacionais brasileiros, adotem a educação sobre sexualidade e gênero como uma maneira de formar “cidadãos que respeitem as várias dimensões humanas e sociais sem preconceitos e discriminações” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2016). Dessa maneira, o ensino de gênero nas escolas torna-se essencial para prevenir diferentes formas de violência. 

Em relação à sexualidade, Guacira Lopes Louro (2008) afirma que a mesma é um alvo constante da vigilância e do controle das sociedades. São inúmeras as formas de regulação por meio de instâncias e instituições que ditam normas sobre como as pessoas devem agir segundo o seu gênero. Por causa dessas normas, o tema da sexualidade acaba se tornando um tabu na nossa sociedade, promovendo situações em que a falta de conhecimento e a circulação de falsas informações levam muitas pessoas a sofrer injustiças e violências todos os dias. 

  A sexualidade humana pode se manifestar de diversas formas e para  compreendê-la de maneira adequada precisamos conhecer as diferenças que existem entre sexo, gênero, identidade de gênero e orientação sexual. O sexo está ligado a questões biológicas e dentro dessa perspectiva há uma divisão entre machos e  fêmeas. Aqui estamos falando de uma definição que envolve cromossomos e características físicas, como órgãos reprodutivos internos e externos. Ainda assim, essa classificação não é tão simples, uma vez que é possível existir indivíduos intersexuais, ou seja, pessoas que nasceram com características biológicas de ambos os sexos.

O gênero também pode ser dividido em duas categorias, masculino e feminino, mas é preciso frisar que estes termos são construídos socialmente. O gênero diz respeito a todas as práticas e atividades que arbitrariamente são atribuídas às pessoas segundo o seu aparelho genital. Os comportamentos, a forma de se vestir, as profissões e os valores que cada pessoa tem são definidos de acordo com o gênero designado em seu nascimento. Cada cultura possui formas de desenvolver e aplicar essas características. 

Autoras como Judith Butler e Gayle Rubin acreditam que assim como o gênero, o sexo também é construído socialmente. Segundo Butler (2010), talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, uma vez que para ela a distinção entre sexo e gênero é absolutamente nenhuma. De acordo com a autora,  não há como separar corpo e mente, pois o corpo vai sendo construído conforme a  criança é educada e moldada pela sociedade em que está inserida. Portanto, o gênero não é natural ou definitivo, mas algo que pode mover-se e transformar-se.

O gênero é a estilização repetida do corpo, um  conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se  cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser (BUTLER, 2010, p. 59).

Para Judith Butler, o gênero é uma fabricação, uma fantasia instaurada sobre os corpos dos indivíduos.  Ele se constrói como um ato, um estilo corporal, uma vez  que não existe uma essência que o anteceda. Dessa forma, o gênero é na realidade uma performance, que se constitui “por meio de uma repetição estilizada de atos”  (BUTLER, 2010, p. 200). 

Do ponto de vista de Gayle Rubin, existe uma sexualidade biológica que também é afetada por questões culturais. Logo, a sexualidade natural sofre uma culturalização que separa as pessoas em dois gêneros: homem e mulher/ feminino e masculino. Essa divisão também é refletida nas profissões/ocupações, uma vez que toda sociedade apresenta formas de diferenciação no que diz respeito à divisão do trabalho. Em algumas sociedades, por exemplo, a agricultura é uma função exercida por mulheres e em outras é feita por homens. Além disso, Rubin entende que essa dinâmica de segregação entre os gêneros pode ser uma forma de opressão dentro da nossa sociedade.  

Dando continuidade, a identidade de gênero, por sua vez, está relacionada com o gênero no qual o indivíduo se identifica. Um indivíduo que é biologicamente macho pode ou não se identificar com o gênero masculino, da mesma forma que um indivíduo biologicamente fêmea também pode viver a mesma situação de  identificar-se ou não com o gênero atribuído ao seu sexo biológico. Por isso, Judith Butler acredita que nossa identidade e sexualidade são constituídas a partir da prática e do comportamento. Para Butler, o fato de se nascer homem ou mulher não determina o comportamento do indivíduo. Na realidade, as pessoas aprendem a se comportar de determinadas maneiras para se encaixar na sociedade a qual pertencem, o que faz com que o gênero seja um ato, uma performance.  

Existem pessoas cuja identidade de gênero difere do gênero associado ao seu sexo biológico. Essas pessoas são chamadas de transgêneros. Um exemplo dessa situação é quando um indivíduo é biologicamente macho, mas se identifica com o gênero feminino, vestindo-se e comportando-se segundo as normas estabelecidas para o gênero oposto. Quando a identidade de gênero de uma pessoa  condiz com o gênero que lhe é atribuído desde o seu nascimento, ela é chamada de cisgênero. 

A ligação e atração afetiva que se sente por outra pessoa é o que denominamos de orientação sexual. Os indivíduos que sentem atração por alguém do sexo oposto (um homem que se atrai por uma mulher ou uma mulher que se atrai por um homem) são heterossexuais ou heteroafetivos. Quando uma pessoa sente atração por outra do mesmo sexo, ela é homossexual ou homoafetiva. Também existem as pessoas que sentem atração tanto por homens quanto por mulheres. Estes são os bissexuais ou biafetivos. Além disso, existem também os assexuais, indivíduos que não se atraem por nenhum gênero. 

A imagem abaixo nos auxilia a entender a diferença entre os conceitos de sexo, identidade de gênero e orientação sexual.

Devemos nos atentar para alguns pontos: um deles é que a orientação sexual (hétero, homo ou bi) não está atrelada a uma possibilidade de escolha e muito menos a uma patologia. Por isso, não devemos utilizar a expressão “opção sexual” para tratar da sexualidade de alguém e muito menos usar termos como “homossexualismo” ou “bissexualismo”, uma vez que o sufixo – ismo se refere a doenças. A Classificação Internacional de Doenças (CID), em 1990, deixou de considerar a homoafetividade uma doença e em 1993 a utilização do sufixo  – dade (homossexualidade, bissexualidade) entrou em vigor.

Para entendermos melhor  a maneira como os papéis de gênero são construídos   e que essas performances não são fixas, podemos usar o exemplo da sociedade iorubá. Nesse contexto não existia a dinâmica social entre os gêneros em que homens e mulheres se opunham, como acontece no ocidente. Antes do processo de colonização, não havia na sociedade Iorubá as categorizações entre homem e  mulher, sendo a principal forma de  hierarquização social a senioridade, como aponta Rezende (2019). Podemos pensar,  a partir desse exemplo, que a construção social das diferenças de gênero é elaborada a partir de inúmeros fatores. Nesse caso, o processo de colonização teve grande influência em relação à maneira na qual a questão de gênero foi se moldando em diferentes sociedades africanas. 

Segundo o historiador e antropólogo senegalês Cheikh Diop, antes do imperialismo  havia no continente africano uma certa “unidade cultural orgânica” que tinha como base o matriarcado. Diop acredita que o patriarcalismo começou a se expandir no continente africano a partir de influências religiosas e externas que se deram por meio do colonialismo. A ideia de que os homens devem usufruir de certos privilégios em detrimento das mulheres parte de uma construção de ideal social europeu que se alastrou para outras sociedades a partir do  processo de colonização.

Segundo a autora Arlette Gautier (2004), as relações entre os gêneros foram usadas como uma ferramenta de “Darwinismo social” e de ideal burguês de sociedade por meio de um discurso que colocou a mulher em uma fase de desenvolvimento humano inferior ao homem. Esse discurso ocidental foi gradualmente incutido nas sociedades em que havia certa igualdade de direitos entre homens e mulheres, como a  Iorubá. 

Observação: Atenção, professores! Caso você tenha em suas turmas estudantes transgêneros, homossexuais ou bissexuais, lembre-se de não citá-los como exemplos durante as aulas sobre o tema e/ou não expô-los a situações constrangedoras por conta de seu gênero ou orientação sexual. Lembre-se que o papel da aula é conscientizar os estudantes sobre o tema. 

Dica de vídeo:

Dica de filme:

Para entender mais sobre identidade de gênero, indica-se o filme Tomboy:

O filme francês, lançado em 2010 e dirigido por Céline Sciamma, conta a história de Laure, uma menina de 10 anos que se identifica bem mais com o gênero masculino. Quando Laure muda de bairro com a sua família, ela passa a se apresentar aos novos amigos como Michäel, explorando uma nova identidade de gênero.

Para entender mais sobre orientação sexual, indica-se o filme Rafiki:

A produção queniana de 2018, dirigida por Wanuri Kahiu, conta a história de duas jovens, Kena e Ziki, que se tornam grandes amigas apesar da rivalidade política existente entre suas famílias. Aos poucos, a amizade transforma-se em amor. Kena e Ziki passam a enfrentar os preconceitos de uma sociedade profundamente conservadora. Vale destacar que o filme foi banido em sua terra natal; no entanto, foi a primeira produção do Quênia a ser exibida em Cannes, chegando a ser indicada ao prêmio Un Certain Regard.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2010.

DIOP, Cheikh Anta. A unidade cultural da África negra: Esferas do patriarcado e do matriarcado na Antiguidade Clássica. Lisboa/Luanda: Mulemba/Pedago, 2014.

GAUTIER, Arlette. Mulheres e Colonialismo. In: FERRO, Marc (Org.). O livro negro do colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 660-706. 

REZENDE, Rodrigo Castro. Crioulização e gênero em perspectiva comparada: os casos de Analja e de Lueji nas mitologias soninquês e lundas. Rev. hist. comp., Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 44-78, 2019.

RUBIN, Gayle. “El tráfico de mujeres: notas sobre la ‘economia política’ del sexo”. Nueva Antropología, México, v. VIII, n. 30, p. 95-145, 1986.

UNESCO discute sexualidade e gênero na formação de professores. Nações Unidas Brasil, 2015. Disponível em:<https://brasil.un.org/pt-br/71527-unesco-discute-sexualidade-e-genero-na-formacao-de-professores >. Acessado em 15 de outubro de 2022. 

REIS, Juliana Fernandes Silva dos.  A importância das discussões de gênero e sexualidade no ambiente escolar. Disponível em: https://petpedagogia.ufba.br/importancia-das-discussoes-de-genero-e-sexualidade-no-ambiente-escolar. Acessado em 15 de outubro de 2022.

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