MONOCULTURA DE SABERES E A AGRICULTURA NO BRASIL

(1) Analisar fenômenos naturais e processos tecnológicos, com base nas interações e relações entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional e global.

(2) Analisar e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar e defender decisões éticas e responsáveis.

(EM13CNT104) Avaliar os benefícios e os riscos à saúde e ao ambiente, considerando a composição, a toxicidade e a reatividade de diferentes materiais e produtos, como também o nível de exposição a eles, posicionando-se criticamente e propondo soluções individuais e/ou coletivas para seus usos e descartes responsáveis.

((EM13CNT105) Analisar os ciclos biogeoquímicos e interpretar os efeitos de fenômenos naturais e da interferência humana sobre esses ciclos, para promover ações individuais e/ ou coletivas que minimizem consequências nocivas à vida.

(EM13CNT206) Discutir a importância da preservação e conservação da biodiversidade, considerando parâmetros qualitativos e quantitativos, e avaliar os efeitos da ação humana e das políticas ambientais para a garantia da sustentabilidade do planeta.

(EM13CNT208) Aplicar os princípios da evolução biológica para analisar a história humana, considerando sua origem, diversificação, dispersão pelo planeta e diferentes formas de interação com a natureza, valorizando e respeitando a diversidade étnica e cultural humana.

Monocultura de saberes e a agricultura no Brasil

Em linhas gerais, a monocultura se define por uma cultura agrícola de uma única espécie, realizada geralmente em grandes extensões de terra de poucos produtores (latifúndios). Esse tipo de produção se massificou durante o período da colonização (entre os séculos XV e XIX), em que o modelo de produção conhecido como plantation utilizava mão-de-obra escravizada, com foco na exportação. No Brasil, os principais ciclos agrícolas desse modelo foram a produção da cana-de-açúcar, tabaco e café.

Já no século XX, a partir de 1960, a Europa e os Estados Unidos realizaram um amplo empreendimento que visava aumentar a produção agrícola, por meio da mecanização, uso intensivo de insumos industriais (fertilizantes e pesticidas) e diminuição da mão-de-obra, que ficou conhecido como Revolução Verde. No Brasil, essa tendência chegou na década de 1990, estabelecendo recordes de produção e exportação de soja, algodão e milho. No entanto, os aparentes benefícios desse modelo são relativos, principalmente se olharmos de um ponto de vista da distribuição de renda e da sustentabilidade do meio-ambiente.

Um dos problemas principais é a suscetibilidade às pragas. Por exemplo, a espécie lagarta-do-cartucho, considerada uma das principais pragas do cultivo de milho, em uma monocultura pode se reproduzir rapidamente, pela abundância e proximidade entre as plantas, acarretando em grande queda de produtividade. Assim, para evitar esse problema são utilizados os praguicidas, também conhecidos como agrotóxicos, pesticidas ou defensivos agrícolas, que podem ser de diversos tipos, herbicidas (contra as ervas daninhas, que são plantas indesejadas na plantação), inseticidas (contra insetos), entre outros, a depender do tipo de praga que se quer combater.

Se liga nisso.

O agrotóxico mais popular do mundo é o glifosato, herbicida sistêmico de amplo espectro, comercializado com o nome de Roundup®, desenvolvido e comercializado pela companhia multinacional Monsanto, propriedade da química e farmacêutica alemã Bayer.

Figura 1: Fórmula química do glifosato.

O glifosato é também classificado como um aminofosfonato (que são compostos organofosforados), isto o torna um análogo estrutural dos aminoácidos, substituindo a glicina na síntese proteica. Sua ação inibe a enzima5-enolpiruvoil-shikimato-3-fosfato sintetase (EPSPS), responsável pela síntese dos aminoácidos fenilalanina, tirosina e triptofano, provocando assim a morte da planta. Entretanto, no cultivo agrícola existe o desejo de eliminar somente as chamadas “ervas daninhas”, que nada mais são que plantas espontâneas que disputam espaço e nutrientes com o cultivo principal, sendo consideradas pragas. Outro fato importante é que a fórmula geral dos organofosforados foi desenvolvida em 1936, pelo alemão Gerhard Schrader, com o objetivo de criar um inseticida, no entanto, imediatamente esses compostos passaram a ser recomendados como arma química no período nazista na Alemanha.

Contudo, esses produtos químicos nem sempre são seletivos (que atingem somente a praga desejada), impactando negativamente toda a vida no campo, tanto as plantas de cultivo, quanto os microrganismos do solo e outras espécies de animais e plantas, assim como a vida humana. É a partir desse problema que a indústria agroquímica, com o uso da biotecnologia, desenvolveu com os Organismos Geneticamente Modificados (OGM).

Não podemos confundir Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) com Melhoramento Genético. Parece a mesma coisa, mas não é! Os OGMs são resultado de alterações realizadas em laboratório, a nível microscópico, eles mudam o genoma da espécie utilizando técnicas de biologia molecular. Por outro lado, o Melhoramento Genético utiliza apenas a Seleção e Cruzamento para promover os genes de seu interesse, sendo uma prática humana milenar.

Os OGMs são organismos alterados geneticamente para promover qualidades específicas e desejadas de determinados seres vivos, como aumentar o tamanho, potencializar sabores, diminuir tempo de colheita, criar frutos sem sementes, entre outros. Podem também ser utilizados na medicina, como no caso da bactéria Escherichia coli, que tem sido largamente utilizada para produzir insulina humana, hormônios e até vacinas.

Em contrapartida, os OGMs que tratamos neste texto têm sido utilizadas para aumentar a capacidade de exposição aos agrotóxicos. Desse modo, os agrotóxicos irão combater as pragas nas plantações, enquanto que as alterações genéticas permitem que as plantas de interesse tolerem os efeitos deletérios dessas substâncias. Para exemplificar, temos a semente transgênica[1] patenteada da soja Roundup Ready®, criada para resistir ao efeito do glifosato (ver o box “Se Liga nisso”), permitindo assim o uso extensivo contra as ervas daninhas sem prejudicar o crescimento da soja.      É justamente por conta desse mecanismo que se produzem diversas consequências negativas para a vida humana e para o meio-ambiente.

Este modelo, embora tenha produzido um aumento da produtividade, necessitou de um alto investimento – boa parte financiado pelo Estado – e está limitada a apenas alguns tipos de culturas, principalmente de grãos, como milho e soja. Portanto, é um modelo inviável para pequenos produtores. Do ponto de vista econômico, houve um aumento das exportações brasileiras, sobretudo nos anos 90 e início dos anos 2000, mas que não resultam em distribuição de renda para a população do campo, pois os investimentos são feitos em maquinários importados, a mão-de-obra empregada é baixíssima e o lucro se concentra em grandes proprietários de terra.

Além disso, na monocultura a falta de plantas com raízes em diferentes profundidades provoca a erosão do solo, enquanto que a ausência de copas e coberturas do solo faz com que o sol mate boa parte dos microorganismos das primeiras camadas do solo, tornando-o pobre em nutrientes e muito duro, dificultando o crescimento da planta. Essa pobreza será compensada com fertilizantes minerais de rápida absorção e baixa duração, aumentando os custos e também a poluição da natureza pelos compostos introduzidos.

Do ponto de vista da saúde pública, ainda que exista uma tolerância natural a baixas dosagens dos agrotóxicos, instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS) já alertaram a sociedade para a associação entre uso de pesticidas e aumentos de casos de câncer e outras doenças. Além da contaminação da água e dos alimentos, o problema se agrava com o fenômeno da biomagnificação (às vezes, confundido com bioacumulação) nos seres humanos.

O que são a bioacumulação e a biomagnificação?

Bioacumulação é simplesmente o processo de absorção de substâncias e compostos químicos pelos seres vivos. Enquanto que a biomagnificação (ou magnificação trófica) diz respeito ao processo gradual de concentração de substâncias tóxicas nos predadores do topo da cadeia alimentar, que ocupam posições mais altas nos níveis tróficos.

Não é somente para os seres humanos que há riscos. Outros animais e plantas que são expostos aos agrotóxicos – por meio do contato direito com os alimentos durante o cultivo ou pelas chuvas que carregam os defensivos agrícolas para os rios e lençóis freáticos – também podem ter queda significativa da sua população, desequilibrando o ecossistema e provocando diminuição da biodiversidade. Portanto, além da contaminação direta dos alimentos, também afeta o ciclo natural da água, chegando até ao abastecimento hídrico para as necessidades humanas. Por exemplo, já temos diversas pesquisas que indicam que os bebês no Brasil e em outros países estão sendo contaminados por agrotóxicos via placenta e leite materno (SANDES et al., 2022). No cotidiano, o que é indicado para diminuir os níveis de agrotóxicos dos alimentos é a lavagem e retirada das cascas, mas nenhum método é muito eficaz nessa limpeza.

São diversos os estudos que apontam que há contaminação por agrotóxicos dos alimentos e água que consumimos diariamente. Um levantamento publicado em março de 2022, do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água (Sisagua), órgão do Ministério da Saúde, demonstrou que a água que consumimos em pelo menos 2.300 cidades do Brasil contém uma mistura de pelo menos 27 agrotóxicos diferentes (RODRIGUES, 2022). Recomendamos aqui a interação dos estudantes com o portal “Por Trás do Alimento” (https://portrasdoalimento.info/agrotoxico-na-agua/), em que eles podem pesquisar algumas cidades e discutirem, conforme sugestões no plano de aula.

 

[1] Transgênicos nada mais são que aqueles OGMs que receberam um gene de uma espécie diferente, portanto, um gene estranho ao seu genoma. Hoje em dia, a maior parte da produção de grãos como milho e soja são de sementes transgênicas, bastante presentes na nossa alimentação na forma de óleos, margarina, alimentos processados, entre outros. Desde 2003, com o decreto 4.680, é obrigatória a presença do símbolo “T” nos alimentos que contenham pelo menos 1% de transgênicos em sua composição para indicar aos consumidores. Embora não haja consenso sobre o risco dos transgênicos para o organismo humano, o que sabemos é que a sua associação com o uso de agrotóxicos pode ser perigosa para a saúde.

Figura 2: Mapa da concentração e número de agrotóxicos encontrados na água das cidades brasileiras.

Os OGMs são organismos alterados geneticamente para promover qualidades específicas e desejadas de determinados seres vivos, como aumentar o tamanho, potencializar sabores, diminuir tempo de colheita, criar frutos sem sementes, entre outros. Podem também ser utilizados na medicina, como no caso da bactéria Escherichia coli, que tem sido largamente utilizada para produzir insulina humana, hormônios e até vacinas.

Em contrapartida, os OGMs que tratamos neste texto têm sido utilizadas para aumentar a capacidade de exposição aos agrotóxicos. Desse modo, os agrotóxicos irão combater as pragas nas plantações, enquanto que as alterações genéticas permitem que as plantas de interesse tolerem os efeitos deletérios dessas substâncias. Para exemplificar, temos a semente transgênica[1] patenteada da soja Roundup Ready®, criada para resistir ao efeito do glifosato (ver o box “Se Liga nisso”), permitindo assim o uso extensivo contra as ervas daninhas sem prejudicar o crescimento da soja.      É justamente por conta desse mecanismo que se produzem diversas consequências negativas para a vida humana e para o meio-ambiente.

Em suma, esse modo de produzir, estabelecido pela Revolução Verde, tem como objetivo simplificar a produção no campo, aumentando a produtividade e reduzindo a complexidade do manejo do cultivo. Em outras palavras, busca-se reduzir a dependência da mão-de-obra com conhecimento diversificado sobre as diferentes culturas agrícolas e manejo do campo, por uma dependência das máquinas agrícolas, biotecnologias e uso de agrotóxicos.

Para finalizar, cabe dizer que o modelo agrícola da Revolução Verde vem sendo contestado há alguns anos por especialistas e trabalhadores rurais. A palavra cultura tem muitos significados, segundo o dicionário Houaiss, na agricultura o termo significa “processo ou efeito de cultivar a terra”, enquanto que na antropologia seria “um conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social”. A partir disso, é interessante observar como o modelo agrícola imposto pelos colonizadores e posteriormente na chamada Revolução Verde pode ser interpretado como uma monocultura dos saberes, em que não há respeito e apropriação dos conhecimentos dos diversos povos de maneira estratégica para o Brasil.

Em diversos países, especialistas e trabalhadores rurais vêm apontando os danos para o meio ambiente e a incapacidade do modelo em produzir uma diversidade de alimentos e produtos agrícolas. Nesse sentido, a perspectiva do multiculturalismo pode não só ser um modelo para solidariedade comum e respeito às diferenças, como também uma saída para a necessidade por mais alimentos e pela preservação da natureza.

O multiculturalismo que emergiu com força nos anos 1990 seria, em termos gerais, “a vontade e o desejo de diversas e múltiplas culturas étnicas de viverem juntas sem exploração e subordinação de outras”, segundo o livro Enciclopedy of Identity (JACKSON, 2010, p. 480, tradução nossa). Seguindo este raciocínio, considerando a imensa variedade de alimentos que podem ser produzidos no campo e as diversas técnicas de manejo possíveis, a imposição de monoculturas de cultivos com foco na exportação representa uma visão única de olhar para a agricultura, tal qual foi a imposição cultural implementada pelo colonialismo.

Em outros tipos de produção, como por exemplo a agroecologia, é valorizada a associação entre produção diversificada e proteção da biodiversidade. Nesse tipo de produção, os conhecimentos sobre as plantas de cultivo, plantas nativas, solo, estações e os ciclos da natureza são utilizados para promover sinergia entre esses diferentes elementos e possibilitar uma produção abundante, que seja ecologicamente e socialmente responsável. Além disso, nesse modelo há um aumento da geração de empregos e diminuição da dependência de maquinários pesados e caros, enquanto que a produção diversificada de alimentos contribui para uma diminuição no custo de vida da população e aumento da oferta de produtos de qualidade e sem agrotóxicos (conhecidos como orgânicos).

Sendo assim, um olhar multicultural para o campo pode nos ajudar a combinar produção de alimentos com preservação da natureza e biodiversidade com distribuição de renda, geração de empregos e qualidade de vida. Isso não significa abrir mão dos conhecimentos tecnológicos mais avançados que temos, mas se trata de combinar os avanços biotecnológicos com os conhecimentos ancestrais de convivência harmoniosa com a natureza.

Nas próximas aulas, buscaremos nos aprofundar em outros modelos agrícolas, como a agroecologia, agrofloresta e agricultura orgânica, que evitam o uso de agrotóxicos e utilizam a sinergia das plantas e animais para aumentar a produtividade. Veremos também como os povos tradicionais e originários são precursores destes modelos agrícolas, responsáveis por promoverem a proteção da biodiversidade, preservação e valorização dos conhecimentos ancestrais e produção agrícola sustentável.

COLASSO, C.; AZEVEDO, F. A. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte I – Histórico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 137- 172, 2011.

CROSBY, A. W. Imperialismo ecológico. Editora Companhia das Letras, 2011.

JACKSON II, R. L.; HOGG, M. A. (Ed.). Encyclopedia of identity. Sage, 2010.

MATTEI, L. Considerações acerca de teses recentes sobre o mundo rural brasileiro. Revista de economia e sociologia rural, v. 52, p. 105-124, 2014.

NUNES, P. J. Estratégias de comercialização adotadas por famílias que praticam

agrofloresta: um estudo de caso no assentamento Mário Lago, Ribeirão Preto/SP.

Dissertação (mestrado) Universidade Federal de São Carlos, Araras, 2017, 107f.

SANDES, A. S. et al. Contaminação do leite materno por agrotóxicos e implicações na saúde infantil: uma revisão sistematizada. Saúde e meio ambiente: revista interdisciplinar, v. 11, p. 43-58, 2022.

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