MULHERES NA CIÊNCIA: REALMENTE SOMOS POUCAS?

Competências: 1- Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa; 2- Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.

Habilidades: 1 – Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica; 2 – Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.

Elas na Ciência

Há alguns anos a página Quebrando o Tabu publicou o seguinte enigma no Facebook: “Pai e filho sofrem um acidente terrível de carro. Alguém chama a ambulância, mas o pai não resiste e morre no local. O filho é socorrido e levado ao hospital às pressas. Ao chegar no hospital, a pessoa mais competente do centro cirúrgico vê o menino e diz: ‘Não posso operar este menino! Ele é meu filho!’”

A questão que fica ao terminar de ler o trecho é: quem é a pessoa mais competente do centro cirúrgico? Com o pai morto, muitos dos internautas sugeriram que essa pessoa tão qualificada poderia ser o avô do garoto ou um padrasto. O enigma deixou escancarado algo óbvio da nossa sociedade, que não conseguimos associar um grau elevado de competência ou o sucesso em uma carreira científica a uma mulher. Sim! A pessoa mais competente do centro é a mãe do garoto acidentado.

Mesmo que haja na sociedade ocidental a predominância de um discurso que atrela os estudos e a dedicação a atividades científicas aos homens e as atividades domésticas e os cuidados com os filhos ao universo feminino, a realidade nos diz o oposto. No nosso cotidiano temos acesso a inúmeros itens que são um grande facilitador das nossas vidas e que só existem porque foram criados por cientistas mulheres. Um exemplo disso é o absorvente, que se originou de um “Cinto Sanitário”, que foi pensado para mulheres antes da invenção do absorvente descartável como conhecemos atualmente. A responsável por essa criação foi a estadunidense Mary Beatrice Davidson Kenner, que nasceu em 1912 e viveu até os 93 anos. Ao patentear a ideia, muitos investidores buscaram contato com Kenner em busca de parcerias, mas quando descobriam que ela era uma mulher negra, os planos de patrocínio para a ideia eram rapidamente desfeitos.

Figura 1:Colagem de Mary Beatrice Davidson Kenner

Outro exemplo que podemos citar é o GPS, que também foi criado por uma mulher negra, chamada Gladys Mae West. West, uma matemática que nasceu na Virgínia (EUA), foi a grande responsável pelo Global Positioning System (por isso a sigla GPS), que traduzido se trata do Sistema de Posicionamento Global. Gladys se graduou em Matemática por meio de uma bolsa de estudos, foi professora e trabalhou na base naval de Dahlgren coletando dados de localização espacial.

Figura 1: Colagem de Gladys Mae West.

Por meio de outro texto presente aqui na Percursos Alternativos já debatemos sobre as diferenças de gênero existentes na nossa sociedade <https://percursosalternativos.com.br/genero-e-sexualidade-texto/ >. Neste texto que você está lendo, por sua vez, passamos a debater sobre a atuação das mulheres na ciência. A ideia de que determinadas funções são destinadas ao gênero masculino ou ao feminino acaba tendo uma implicação prática na nossa realidade, sendo visível nos dados que mostram a baixa presença de mulheres na ciência brasileira. Isso se dá principalmente devido às dificuldades que as mulheres encontram para acessar o ensino superior. Essas dificuldades não estão relacionadas somente à questão de gênero, uma vez que também existem questões raciais, de classe, dentre outras, que interferem neste processo.

Segundo o Relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2019, o Brasil está entre as três nações com menor número de doutores no mundo, visto que apenas 0,2% da nossa população possui o título de Doutor. Devido ao avanço da luta pela equidade de gênero, estamos gradativamente atingindo uma realidade mais inclusiva para as mulheres no Brasil, inclusive no campo científico. Uma prova disso é o fato de 57% dos estudantes de ensino superior no ano de 2020 serem mulheres, além disso, a quantidade de doutoras tituladas a cada ano subiu 61% entre os anos de 2013 e 2019. Segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), 13.419 mulheres se tornaram doutoras em 2019, enquanto 8.315 mulheres obtiveram o título em 2013.

Entretanto, a ciência não é realizada somente por doutores e apesar do progresso, devemos nos atentar que ainda existem barreiras a serem superadas. Não são em todas as áreas do conhecimento que as mulheres ocupam um papel de destaque ou de igualdade em relação aos homens. Áreas como as STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática) contam com uma baixa participação de mulheres, principalmente negras e indígenas. Isso mostra uma sub-representação racial que se confirma por dados da Parent in Science, que sinalizam que das mulheres que ocupam o campo da ciência no Brasil, somente 3% são pretas e 12% são pardas.

Quem são as mulheres que atuam na ciência

Dados da Parent in Science sobre a área de atuação das cientistas brasileiras nos revelam as desigualdades existentes neste campo. A Educação é a área que conta com a maior atação feminina, com 75,6% de profissionais mulheres atuantes. Em contrapartida, no campo da Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação, apenas 13,6%  dos profissionais atuantes são mulheres. A ideia de que o campo de conhecimento das ciências exatas demanda raciocínio lógico e habilidades matemáticas, que são características culturalmente associadas ao universo masculino, acaba reforçando a baixa presença de mulheres nessas áreas.

Segundo um levantamento elaborado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 21% da população brasileira, entre 25 e 34 anos, concluíram o Ensino Superior. Segundo esse estudo, as mulheres possuem uma alta taxa de conclusão do Ensino Superior; 82% das mulheres que ingressam no ensino superior conseguem chegar até o fim. Entretanto, devemos considerar também os dados relativos a cor/etnia. Segundo o Censo da Educação Superior de 2019, dos alunos que ingressam no ensino superior, 42,6% são brancos, 31,1% são pardos, 16,8% são não declarados, ao passo que 1,7% são amarelos e somente 0,7% se declaram indígenas[1]. Não podemos nos esquecer que o Brasil em que pretos e pardos representam 56% da população, segundo dados do IBGE.

No que diz respeito à parentalidade, a cada 10 estudantes de graduação das instituições de ensino superior federal, apenas 1 possui filhos. Dentre os estudantes que possuem filhos, 46,2% são indígenas aldeados, 20,2% são indígenas não aldeados e quilombolas, 12,9% são negros e 8,3% são brancos, de acordo Parent in Science.

            Quando falamos de maternidade, as dificuldades enfrentadas por mães estudantes no âmbito universitário são o reflexo de um problema social mais amplo. Dados de uma pesquisa do Instituto Unibanco mostram que a evasão escolar de meninas no Brasil tem como um dos principais fatores a gravidez, pois apenas 2% das adolescentes que engravidaram dão sequência aos estudos.

            Um elevado número de mulheres acaba não tendo outra alternativa que não seja abandonar ou adiar os estudos quando se tornam mães. Isso ocorre por conta de fatores como a falta de suporte familiar, dificuldades financeiras, entre outros motivos, o que nos mostra como as mulheres enfrentam um maior grau de desvantagem no espaço universitário. Urpia e Sampaio (2009) explicam que quando as mulheres que tiveram que adiar os seus estudos resolvem retomá-los, encontram grandes empecilhos, pois esbarram na dificuldade de estabelecer uma rede de apoio sólida ao seu redor e na escassez de políticas públicas que as auxiliem.

            A luta das mulheres por independência e melhoria nas condições de vida surte efeito diariamente, mas estereótipos em torno da imagem da mulher ainda fazem com que muitas pessoas acreditem que as capacidades das mulheres estão limitadas aos cuidados exclusivos ao lar e aos filhos. Essa percepção distorcida sobre o papel feminino acaba em alguma medida progredindo para uma dinâmica de julgamento e preconceito com as mulheres, sejam elas mães ou não, que decidem se tornar cientistas. Esse julgamento não parte somente do seio familiar, mas também, em muitos casos, do próprio ambiente acadêmico.

            A Assembleia das Nações Unidas, em 2015, instituiu o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. Com mediação da Unesco e da ONU Mulheres, nesta data ocorrem em diversos países eventos em prol da visibilidade sobre o papel das mulheres na ciência. Essa é uma das ações que vai ao encontro das metas dos objetivos de desenvolvimento Sustentável propostos pelas Nações Unidas, que visam “acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”. Dentre os objetivos estão a educação de qualidade para todas as pessoas e a igualdade de gênero.

            Apesar dos avanços alcançados e hoje termos mais mulheres que atuam na área científica, ainda temos um largo caminho a ser percorrido., principalmente quando falamos de mulheres negras e indígenas e dos desafios de conciliar a maternidade com as demandas da profissão. Mesmo com mais mulheres ocupando a ciência, os estigmas ainda existem e devemos nos atentar para não perpetuá-los e incentivar cada vez mais a presença de meninas e mulheres neste espaço.

            As mulheres possuem suas diferenças, neste aspecto, sejam elas étnico-racial, de classe, ou em relação ao arranjo familiar. E essas diferenças podem ser um fator que distancia ainda mais as mulheres da atuação na ciência. Tendo isso em vista, as políticas de inserção e permanência na Universidade devem ser elaboradas com base nas dificuldades que essas estudantes enfrentam para permanecer neste espaço, priorizando as questões socioeconômicas, étnico-raciais, as identidades de gênero e sexuais. Quando uma mulher almeja ingressar na carreira científica, ela não deixa suas características e trajetória para trás e é um direito de todas as pessoas ter as condições necessárias para a garantia de um bom desempenho.

 

[1] Os dados utilizados foram os de estudantes ingressantes do ensino superior pela dificuldade de se encontrar dados sobre o gênero ou cor/raça dos estudantes que concluem essa etapa de ensino.

Dica de Filme

Figura 1 – Estrelas Além do Tempo

“Estrelas Além do Tempo” é um filme dirigido por Theodore Melfi, com roteiro de Allison Schroeder. A obra se passa no período da Guerra Fria e conta a história de três cientistas, Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), que trabalham na NASA. Pelo fato de serem mulheres negras, elas têm sempre suas capacidades e trabalhos postos a prova.

Figura 2 – Mulheres na Fiocruz: Pioneiras

Este documentário conta a história de mulheres cientistas da Fiocruz e como elas desafiaram um sistema patriarcal e abriram espaço para outras mulheres na ciência brasileira. Outro ponto interessante é que as próprias protagonistas do documentário são quem narram suas histórias.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Número de doutoras cresce 61% em seis anos. Mar, 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/numero-de-doutoras-cresce-61-em-seis-anos>. Acesso em: 25 mar. 2023.

ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Visão geral da educação 2022. OECD Ilibrary, 3 out. 2022. Disponível em:<https://www.oecd-ilibrary.org/sites/3197152b-en/index.html?itemId=/content/publication/3197152b-en >. Acesso em: 4 de abr. 2023.

PARENT IN SCIENCE. Mulheres e Maternidade no Ensino Superior no Brasil. Disponível em: https://www.parentinscience.com/_files/ugd/0b341b_6ac0cc4d05734b56b460c9770cc071fc.pdf.. Acesso em: 25 mar. 2023.  

URPIA, Ana Maria de Oliveira.; SAMPAIO, Sonia Maria Rocha. Tornar-se mãe no contexto acadêmico: dilemas da conciliação maternidade – vida universitária. Revista do Centro de ArtesHumanidades e Letras, v. 3, n. 2, p. 30-43, 2009.

REVISTA PLANETA. Brasil é um dos três países com menor número de doutores. Revista Planeta, set. 2019. Disponível em: https://www.revistaplaneta.com.br/brasil-e-um-dos-tres-paises-com-menor-numero-de-doutores/. Acesso em: 25 mar. 2023.