GÊNERO E SEXUALIDADE

Gênero e sexualidade: entendendo suas diferenças

Quais dos objetos abaixo você relaciona às mulheres? E aos homens?

Existem duas principais formas de se explicar as distinções entre homens e mulheres. A primeira é uma explicação biológica, que sugere que a diferença entre os seres humanos é naturalmente estabelecida por meio do sexo masculino ou feminino. A segunda é uma explicação cultural e social, em que o que é esperado de cada indivíduo se dá a partir dos costumes estabelecidos pela cultura a qual estamos inseridos. Esses costumes estão relacionados com o papel que cada um ocupa na sociedade segundo o seu sexo biológico. Esses papéis que são determinados a homens e mulheres é o que podemos chamar de gênero. A sociedade diferencia quem é homem ou mulher a partir da identificação de cada indivíduo em relação ao gênero. Tal identificação pode ou não corresponder ao sexo que nos é atribuído no nascimento.

Para entender melhor a diferença existente entre gênero e sexualidade observe a imagem abaixo:

Agora, a conversa começa a ficar mais complexa, não é mesmo? 

Para entendermos melhor essa discussão, contaremos com a ajuda de quatro importantes pesquisadores: Judith Butler, Gayle Rubin, Oyèrónkẹ Oyěwùmí e Cheikh Anta Diop.  Butler é uma filósofa, nascida nos Estados Unidos da América, no ano de 1956 e Rubin é uma antropóloga também nascida nos Estados Unidos, no ano de 1949. Oyěwùmí é uma socióloga nigeriana nascida no ano de 1957 e Diop foi um historiador, antropólogo, físico e político senegalês que viveu entre os anos de 1923  e 1986. 

Para Judith Butler, o sexo e a sexualidade são “convenções sociais”, assim como o gênero. A autora acredita que nossa identidade e sexualidade se constituem a partir da prática e do comportamento. Isso quer dizer que a sociedade determina que haja uma correspondência direta entre o sexo biológico, o gênero e o desejo/atração sexual, que devem ser de orientação heterossexual. Então, se uma pessoa tiver um pênis, ela será um homem que deverá se sentir atraído por mulheres. Entretanto, o que faz com que essa dinâmica se mantenha não é algo de caráter biológico, mas sim uma tradição cultural que nos determina agir dessa forma, geração após geração.

Essa dinâmica é imposta a nossa sociedade por meio de um discurso que leva os indivíduos a reproduzirem de forma automática atos e gestos que estão ligados à construção dos corpos femininos e masculinos. O que, portanto, é responsável por constituir a maneira como nos comportamos segundo nosso gênero. Para Judith Butler, na nossa sociedade o gênero toma o sexo como algo imutável, que carrega normativas sociais, criando identidades de gênero. Diferente do que pensa o senso comum, Butler nos mostra que sexo e a sexualidade não são verdades fixas ou uma essência que nasce com o indivíduo, são na realidade construções sócio-históricas e culturais. 

Quando falamos sobre algo socialmente construído, queremos dizer que nós, seres humanos, vivemos inseridos em modelos de comportamento, produzidos e estabelecidos por nós mesmos. Esses padrões influenciam as nossas relações cotidianas, uma vez que as regras são organizadas pela sociedade em que estamos inseridos. Butler busca desnaturalizar essa construção social, bem como os discursos  que tratam o gênero e o sexo como destinos, ou seja um discurso que prega que a obrigação do indivíduo em acatar o gênero que lhe atribuído quando nasce.

Gayle Rubin, por sua vez, explica que sexualidade e gênero não são idênticos, embora isso não queira dizer que eles estejam sempre dissociados. Para a autora, as relações existentes entre gênero e sexualidade são situacionais, não universais, e por isso devem ser analisadas como situações particulares. Dessa maneira, o gênero e a sexualidade são compreendidos de acordo com cada contexto social.

Dando sequência ao argumento, a antropóloga entende que a partir da sexualidade biológica nós separamos a sociedade em dois gêneros. Essa diferenciação acaba refletindo na divisão do trabalho, por exemplo, na forma como determinadas ocupações são entendidas como específicas para homens e outras como específicas para as mulheres. Esse binarismo também reflete algumas formas de opressão – o machismo – contra determinados gêneros. 

Outro ponto que Rubin associa à divisão de gênero são as relações de parentesco, que compreendem tanto uma heterossexualidade obrigatória quanto identidades de gênero derivadas, em certa medida, da continuidade dos núcleos familiares.

Até aqui aprendemos que os gêneros e as atividades a eles atribuídas são ideias e expressões criadas pela sociedade a qual pertencemos. Partindo desse ponto, podemos pensar em atividades que as mulheres da sociedade ocidental não podiam realizar por não serem adequadas ao seu gênero, segundo sua cultura, como o direito ao voto. No entanto, a construção social das diferenças de gênero varia de acordo com o contexto. Nas sociedades Iorubás, por exemplo, não havia um sistema de gênero em que homens e mulheres se opunham como ocorre na cultura ocidental; na realidade, não existiam as categorias sociais de  homem e de mulher nessa sociedade antes da colonização. 

A socióloga nigeriana Oyèrónké Oyěwùmí explica que a principal categoria social que possuía função hierárquica entre os Iorubás era a etária: quanto mais anos de vida uma pessoa tivesse, mais experiente ela seria, sendo, portanto, mais respeitada. Isso não ocorre na sociedade ocidental, pois muitas vezes as pessoas idosas são equivocadamente vistas como ultrapassadas.

Ainda tratando do continente africano, o historiador e antropólogo senegalês Cheikh Anta Diop explica que antes da colonização havia em África uma espécie de “unidade cultural orgânica” que tinha como base o matriarcado, ou seja, um regime social em que as mulheres ocupavam o papel de autoridade. Segundo o autor, o patriarcalismo começa a entrar em vigor no continente por meio de influências externas que chegaram com a presença europeia.

 Infelizmente, nos dias de hoje ainda há pessoas que consideram uma anormalidade quando uma expressão sexual não se encaixa nos padrões de comportamento que foram socialmente definidos para homens e mulheres, ou que pensam que as pessoas não podem executar determinadas atividades por conta do seu gênero. Contudo, estudos como os apresentados aqui demonstram que a sexualidade não é algo fixo, talhado em pedra, e que as ações e comportamentos atribuídos aos diferentes gêneros são construções sócio-históricas.

E agora: como você classificaria os objetos mostrados no início do texto?

Para finalizar, deixo uma dica de filme para você: Njinga, Rainha de Angola é uma produção angolana, lançada em 2013, que conta a história de uma importante liderança feminina que foi símbolo da resistência ao colonialismo português. O filme foi escrito por Joana Jorge e produzido por Sérgio Graciano.

Butler, J. (2016). Problemas de género: feminismo y subversión de la identidad. 11 ed. Río de Janeiro: civilización brasileña.

 

DIOP, Cheikh Anta. A unidade cultural da África negra: Esferas do patriarcado e do matriarcado na Antiguidade Clássica. Lisboa/Luanda: Mulemba/Pedago, 2014.

 

OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. The invention of women: making an African sense of Western gender discourses. Minneapolis: University of Minnesota press, 1997. 

 

RUBIN, G., & BUTLER, J. (2016). Tráfico sexual – entrevista. Cadernos Pagu, (21), 157–209. Recuperado de <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644617> .

 

RUBIN, Gayle. “El tráfico de mujeres: notas sobre la ‘economia política’ del sexo”. Nueva Antropología, México, v. VIII, n. 30, p. 95-145, 1986.