OS ESTEREÓTIPOS DOS CORPOS NEGROS TEXTO FORMATIVO

(2) Analisar  fenômenos  naturais  e  processos  tecnológicos,  com  base  nas  interações  e  relações  entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional e global.

(3) Investigar  situações-problema  e  avaliar  aplicações  do  conhecimento  científico  e  tecnológico  e  suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens  próprios  das  Ciências  da  Natureza, para propor soluções que considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e comunicar suas descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC).

(EM13CNT207) Identificar, analisar e discutir vulnerabilidades vinculadas às vivências e aos desafios contemporâneos aos quais as juventudes estão expostas, considerando os aspectos físico, psicoemocional e social, a fim de desenvolver e divulgar ações de prevenção e de promoção da saúde e do bem-estar.

(EM13CNT208) Aplicar os princípios da evolução biológica para analisar a história humana, considerando sua origem, diversificação, dispersão pelo planeta e diferentes formas de interação com a natureza, valorizando e respeitando a diversidade étnica e cultural humana.

(EM13CNT305) Investigar e discutir o uso indevido de conhecimentos das Ciências da Natureza na justificativa de processos de discriminação, segregação e privação de direitos individuais e coletivos, em diferentes contextos sociais e históricos, para promover a equidade e o respeito à diversidade.

Estereótipo: por que essa palavra tão difícil?

O termo tem origem grega, pela combinação das palavras stereós (sólido) e týpos (modelo), e significa “impressão sólida”. Segundo os cientistas sociais contemporâneos, os estereótipos são crenças sobre as características pessoais de um grupo ou categoria de pessoas que visam reduzir a complexidade da sociedade. A partir disso, os estereótipos criam expectativas generalizadas sobre os indivíduos pertencentes aos grupos alvos, reiterando comportamentos e percepções simplificadas e naturalizadas (HOROWITZ, 2005). Essa definição lembra um outro termo bastante utilizado quando discutimos preconceito e violência: o bullying. Ele diz respeito à intimidação sistemática e vexatória, geralmente em ambiente escolar, que pode ou não mobilizar estereótipos. Dessa forma, torna-se importante ressaltar que os estudantes podem ser alvo de estereótipos (seja pelo tamanho do nariz, pelo tipo físico, pelas orelhas ou outras diferenças, sobretudo aquelas relacionadas às transformações físicas da puberdade) que acabam levando à prática do bullying. Os estereótipos que iremos tratar nesse texto tem raízes históricas profundas que atingem diferentes grupos humanos e servem como forma de controle social. Segundo a sociologia, o controle social corresponde aos mecanismos formais e informais cujo objetivo é gerar conformidade. Nesse caso, os estereótipos funcionam como um mecanismo interno, psicológico e cultural, de manutenção das desigualdades no contexto escolar. Uma forma bastante comum de estereótipo ocorre através de imagens, especialmente caricaturas. A seguir, temos um exemplo fundamental para a compreensão desse fenômeno: a capa do livro Pele Negra, Máscaras Brancas, de Frantz Fanon (um dos mais importantes intelectuais e militantes do século XX) produzida pela EDUFBA em 2008.

Figura 1: Capa do livro Pele Negras, Máscaras Brancas, de Frantz Fanon.

Como podemos ver na capa do livro, a estereotipagem além de reduzir e/ou exagerar traços de pessoas (como vemos por meio de cores, boca, nariz, orelhas e posição social), também tem uma característica nas entrelinhas que é a divisão entre o que é normal/aceitável e o que é anormal/inaceitável. O conjunto de imagens representadas na capa do livro difere muito daquilo que estamos acostumados a ver em personagens de animações populares. Em produções da Disney, por exemplo, os traços são finos e delicados, buscando representar as características físicas e psíquicas dos personagens, sem apresentar grandes exageros ou desproporções que poderiam causar repulsa. Mas qual é o problema disso? Quais são os efeitos dessas imagens estereotipadas?

Para responder a essa questão, precisamos pensar no conceito de representação, definido aqui como a maneira que nos comunicamos utilizando textos, imagens e discursos sobre a realidade. Em outras palavras, é a forma pela qual materializamos o nosso campo imaginário para fins de interação social. Se você ouve um comercial sobre sabonetes no rádio, você não precisa da materialidade do objeto para saber do que se trata nem das qualidades associadas ao produto que o anunciante tenta ressaltar, tais como limpeza, hidratação e preço. Isso acontece porque existe na representação do sabonete um significado comum e compartilhado, fazendo com que a mensagem seja compreendida pela massa de ouvintes. Logo, há uma linguagem cultural atrelada às representações que nos faz ter atitudes reais e específicas como, por exemplo, saber que o sabonete usualmente não é utilizado no cabelo. Talvez pareça óbvio, mas isso será útil para entendermos mais a frente como os estereótipos atuam deformando as imagens das pessoas.

Sendo assim, os estereótipos são formas de distorção da representação da realidade, em que características, simples e facilmente reconhecidas, são apropriadas e, posteriormente, exageradas. Segundo a tese de Frantz Fanon, a cultura ocidental, no marco da modernidade, criou a imagem do negro em oposição ao branco. Para o autor, a representação do mundo a partir da noção de humanidade, razão e indivíduo tem o próprio povo europeu como figura central em distinção a outras populações, lidas como diferentes, inferiores e marginalizadas.

Os três conceitos citados acima são complexos e merecem uma aula à parte. Aqui nos cabe apenas expôr a reflexão de que a filosofia moderna foi construída pela imagem de como os próprios europeus se viam (racionais, belos, inteligentes) sobretudo em oposição àqueles que eram considerados selvagens, feios e instintivos (africanos, indígenas e asiáticos). Desse modo, a partir da redução das populações colonizadas a esse conjunto de características que os colocam no reino da natureza (como animais), em contraponto ao mundo da civilização (dos seres humanos), os negros não foram vistos como indivíduos; logo, eram todos iguais e incapazes de agirem sobre a sua própria realidade. Este é o tipo de visão que tem sido transmitida historicamente na mídia, nos filmes, na literatura, na ciência e em todas as formas de representação, veículos responsáveis por moldar atitudes e comportamentos que são incorporados por diferentes grupos e comunidades.

Ademais, há um segundo agravante nesse problema que é o modo como o sujeito afrodescendente vê a si mesmo nessa cultura. Ou seja, se a pessoa negra acessa somente imagens estereotipadas na sociedade, ocorre aquilo que Fanon chamou de psicopatologia do negro: a pessoa se olha no espelho e não se reconhece; é incapaz de gostar dos seus traços, de sua pele e tudo que a define externamente, pois é vista como suja, feia, agressiva e instintiva. Dessa maneira, o negro se vê pelo olhar do branco (a metáfora do sujeito de pele negra que veste a máscara branca) e, consequentemente, tenta anular as características que o associam à negritude para ser aceito na sociedade.

Figura 2: Grafite presente na tese de Deivison Faustino Nkosi (2015, p. 212)

Essa ideia está sintetizada na imagem acima. Vemos uma pessoa negra se olhando no espelho que reflete para o exterior um rosto branco, com olhos azuis e cabelo loiro. Embora o corpo seja negro e o cabelo crespo, há uma imagem deformada do sujeito, projetada para o meio externo, para o outro e para a sociedade, enquanto o interior dele encontra-se vazio.:

A título de conclusão, tendo o combate ao preconceito, a valorização da diversidade humana e o respeito aos diferentes povos como uma diretriz transversal da BNCC, torna-se crucial reconhecer os fundamentos envolvidos nos processos que veiculam preconceitos sociais. Esse problema é um dos catalisadores da luta cotidiana dos movimentos sociais, tais como o movimento negro e o movimento indígena, porque esse conhecimento negativo sobre os povos continua sendo representado nas Ciências da Natureza, especialmente na Biologia. A permanência dessas crenças prejudica a autoestima das pessoas racializadas e o conhecimento da sociedade sobre as diferentes ancestralidades que compõem a diversidade étnica e cultural brasileira.:

Sendo assim, veremos, na próxima aula, como a Biologia usa o conceito de raça atualmente, se ele tem validade ou não, e como a evolução humana explica algumas dessas diferenças que são vistas a olho nu, por exemplo, as diversas tonalidades de cor da pele.

HALL, Stuart. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, 2016.

FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: Edufba, 2008.

JARDIM, Suzane. Reconhecendo estereótipos racistas na mídia norte-americana. Médium. 2016. Disponível em: https://medium.com/@suzanejardim/alguns-estere%C3%B3tipos-racistas-internacionais-c7c7bfe3dbf6. Acessado em: 18 set. 2022.

FAUSTINO, Deivison Mendes. “Por que Fanon? Por que agora?”: Frantz Fanon e os fanonismos no Brasil. 2015. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/7123.

HOROWITZ, Maryanne Cline. New dictionary of the history of ideas. 2005.

GIDDENS, Anthony; SUTTON, Philip W. Conceitos essenciais da sociologia. Edição nº2. Sâo Paulo: Editora UNESP, 2017.

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