MONOCULTURA DE SABERES E A AGRICULTURA NO BRASIL

O Agro é Pop ou é Flop?

Revolução é o termo que usamos quando uma determinada estrutura da sociedade se transforma radicalmente. Desse modo, a Revolução Verde diz respeito a uma profunda mudança na estrutura produtiva e nas relações de trabalho no campo, isto é, na agricultura, que se iniciou nos países mais desenvolvidos, após a Segunda Guerra Mundial (década de 50), e avança nos países subdesenvolvidos nos anos 1960.

Essa revolução aconteceu “de fora pra dentro”, ou seja, aqueles trabalhadores que viviam do campo não participaram ativamente desse processo de mudança. Na realidade, se olharmos do ponto de vista dos trabalhadores, eles saíram perdendo nessa história. Boa parte do trabalho foi substituído por máquinas, assim aumentando a concorrência e exigindo maior qualificação entre trabalhadores do campo.

Além disso, essas tecnologias têm altos custos de investimento e embora boa parte do financiamento tenha sido arcado pelos governos nacionais, os pequenos produtores não foram incluídos nesse novo modelo de produção. Esses fatores provocaram o aumento do êxodo rural, fenômeno em que as pessoas se deslocam da zona rural para a urbana em busca de emprego e condições melhores de vida e a concentração de terras na mão de grandes latifundiários.

A principal característica da Revolução Verde foi a introdução de diversas tecnologias na produção agrícola, substituindo as produções tradicionais com pouca sofisticação. Estamos falando de tratores, máquinas de colheita, sistemas de irrigação aliados ao uso da biotecnologia, especialmente a manipulação genética, que dá origem aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM).

Embora as OGMs permitam um grande número de possibilidades de uso, como por exemplo a modificação de bactérias para produzir vacinas e insulina humana, ou para produzir frutos maiores e mais saborosos, o seu uso na agricultura é bastante popular em associação com o uso de agrotóxicos enquanto pesticidas (buscando eliminar as pragas das plantações), que trataremos adiante.

Você já comeu algum alimento transgênico?

Mesmo que você não tenha certeza, a resposta é, muito provavelmente, sim. Transgênicos nada mais são que aqueles OGMs que receberam um gene de uma espécie diferente, portanto, um gene estranho ao seu genoma. Hoje em dia, a maior parte da produção de grãos como milho e soja são de sementes transgênicas, bastante presentes na nossa alimentação na forma de óleos, margarina, alimentos processados, entre outros. Desde 2003, com o decreto 4.680, é obrigatória a presença deste símbolo nos alimentos que contenham pelo menos 1% de transgênicos em sua composição para indicar aos consumidores. Embora não haja consenso sobre o risco dos transgênicos para o organismo humano, o que sabemos é que a sua associação com o uso de agrotóxicos pode ser perigosa para a saúde.

Isto ocorre porque essas sementes transgênicas são mais resistentes ao uso de agrotóxico, assim ao aplicar os pesticidas somente as plantas que não são transgênicas irão morrer. O problema é que diversos estudos apontam que esses agrotóxicos não somente fazem mal para a natureza, como também em dosagens mais altas podem causar câncer. Por esse motivo que é obrigatório o uso de Equipamento de proteção individual (EPI) pelos trabalhadores responsáveis pela aplicação deste produto, pois protegem a pele e a respiração, como o exemplo abaixo.

Figura 1 – Equipamento de Proteção Individual (EPI) adequado para manejo de agrotóxicos.

Essas mudanças estruturais ocorreram sob a justificativa de aumentar a produção de alimentos para dar conta do crescimento da população humana. De modo geral, houve sim um aumento real da produtividade, mas isso não significou o fim da escassez de alimentos para a população nem melhor distribuição da riqueza. Contradições próprias do capitalismo que perpetuam a desigualdade são os principais obstáculos, além do fato que o modelo que discutimos contribui para a concentração de renda.

Em suma, a Revolução Verde favoreceu às grandes empresas ligadas à produção agropecuária e à agroindústria, conhecida no Brasil como agronegócio[1]. Esse modelo se impôs ao meio rural como um modo de produção único, uma forma de conhecimento agrícola que se pretende universal e que não tem como foco as famílias brasileiras.

Veja uma lista dos principais impactos ambientais da Revolução Verde:

 ● Aumento do desmatamento dos biomas naturais;

 ● Conflitos por terra e água de fazendeiros com pequenos produtores, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades;

 ● Compactação do solo (pelo peso das máquinas);

 ● Contaminação do solo, dos alimentos e trabalhadores por agrotóxicos.

Da plantation ao agropop

Durante a colonização, o sistema de plantation se caracterizava por uma monocultura de exportação por meio da utilização de latifúndios e mão de obra escravizada. Se substituímos os escravizados pelas grandes máquinas modernas e seus operadores, é notável a semelhança entre os modelos, concordam? Não menos importante, a Revolução Verde trouxe um conhecimento estrangeiro tido como “avançado” e “legítimo”, deixando de lado os conhecimentos das comunidades rurais e comunidades tradicionais e ancestrais, como quilombolas, indígenas, caiçaras e ribeirinhos, impondo mudanças estruturais em todas as relações de trabalho no campo.

Como consequências negativas, essa intensa exploração agrícola por grandes máquinas produz graves danos ao meio ambiente, riscos para a saúde humana e não prezam pela sustentabilidade econômica e social no longo prazo.

Hoje em dia, diversos pesquisadores, ativistas, movimentos sociais e comunidades utilizam técnicas e modelos alternativos, utilizando de outros conhecimentos sem desprezar os ganhos tecnológicos. Acreditamos que é possível constituir formas mais justas, saudáveis e que se apropriem de todo o conhecimento produzido pela humanidade e seus diversos povos, o que seria, de uma certa forma, uma produção agrícola ancorada nos princípios do multiculturalismo[2].

Em outros textos, desdobramo-nos sobre os modelos alternativos de produção, mas se quiser se aprofundar no tema deste texto, recomendamos acessar a nossa aula formativa referente ao tema, que está linkada ao final do texto.

 

[1] É sobre o agronegócio que estamos nos referindo no título deste texto. Se por um lado, temos esse grupo econômico utilizando o slogan do “Agro é Pop”, por outro, olhando pelo ponto de vista da Pop[ulação], talvez o agro esteja mais para “flopado”.

[2] Multiculturalismo é, em termos gerais, “a vontade e o desejo de diversas e múltiplas culturas étnicas de conviverem sem exploração ou subordinação de umas pelas outras”, segundo o livro Enciclopedy of Identity (JACKSON, 2010, p. 480, tradução nossa)

COLASSO, C.; AZEVEDO, F. A. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte I – Histórico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 137- 172, 2011.

 

CROSBY, A. W. Imperialismo ecológico. Editora Companhia das Letras, 2011.

 

JACKSON II, R. L.; HOGG, M. A. (Ed.). Encyclopedia of identity. Sage, 2010.

 

MATTEI, L. Considerações acerca de teses recentes sobre o mundo rural brasileiro. Revista de economia e sociologia rural, v. 52, p. 105-124, 2014.

 

NUNES, P. J. Estratégias de comercialização adotadas por famílias que praticam agrofloresta: um estudo de caso no assentamento Mário Lago, Ribeirão Preto/SP. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de São Carlos, Araras, 2017, 107f.

 

SANDES, A. S. et al. Contaminação do leite materno por agrotóxicos e implicações na saúde infantil: uma revisão sistematizada. Saúde e meio ambiente: revista interdisciplinar, v. 11, p. 43-58, 2022.