OS ESTEREÓTIPOS DOS CORPOS NEGROS

Estereótipo: por que essa palavra tão difícil?

Talvez você já tenha ouvido falar sobre esse conceito de estereótipo e tenha alguma noção do que significa, mas será que você sabe o quanto ele impacta diariamente a nossa vida? Como ele tem influenciado a História do Brasil, do mundo e as nossas próprias experiências cotidianas? 

Vamos fazer uma primeira reflexão, começando pela origem da palavra? Ela vem do grego e é formada pela combinação stereós (sólido) e týpos (modelo), que significa uma “impressão sólida”. Dessa maneira, quando estereotipamos alguém, uma imagem fixa e imutável sobre aquela pessoa é criada. 

Agora, observe os trechos da letra da música “Estereótipo”, do rapper Rashid, principalmente as partes destacadas aqui:

Trecho 1

Querem mandar no que eu visto, querem julgar quem eu sou

Querem anular o que eu conquisto e que eu fique só com o que sobrou

Pode procurar nos registro, meu, o que fazem com a nossa cor

E se você é mais um tipo eu, resista onde quer que for

Porque

 

Somos todos alvos, somos todos alvos aqui!

Somos todos alvos, somos todos alvos aqui!

Somos todos alvos, somos todos alvos aqui!

Somos todos alvos, somos todos alvos aqui!

 

[…]

 

Trecho 2

 

Pela roupa que eu visto, a quebrada que eu moro e a cor que eu sou

tira me para enquanto a filha dele deve tá querendo colar no meu show

Imagina que louco, durante o café da manhã, quando ele vai ler o jornal

E vê minha foto na capa e não é por óbito, nem motivo criminal

[…]

Esse estereótipo é baseado em séculos de história controversa

E se você que abraça não sabe, já sei quem tem mais QI nessa conversa!

Ao analisar o texto, você consegue identificar quais são as características de quem está cantando? Como ele é? Onde vive? Como é visto pela sociedade? Você já passou por isso ou conhece alguém que já viveu algo semelhante?

Acho que podemos afirmar que quem canta essa música, o sujeito do texto, é uma pessoa negra da periferia de alguma cidade brasileira. Pela letra, também podemos dizer que os estereótipos sobre o corpo dele o transformam numa representação de um potencial criminoso.

Parte II: Estereótipos e desigualdade

estereotipagem consiste tanto em reduzir e/ou exagerar traços de pessoas (como vemos por meio de características como cores, boca, nariz, orelhas e posição social), quanto em dividi-las em dois grupos: normais/aceitáveis e anormais/inaceitáveis. No caso da música, a pessoa tida como normal (o tira, o pai de família) julga o sujeito negro (a voz do texto) de ser um criminoso. Segundo o autor da música, isso tem uma causa e uma consequência. Você consegue identificá-las? 

Agora, vamos refletir sobre a consequência dos estereótipos na sociedade a partir de alguns autores denominados pós-coloniais. Em outra aula, discutiremos a causa e as origens históricas dos mesmos.

Dessa maneira, a consequência seria a manutenção da desigualdade, como pode ser observado no trecho: “Querem anular o que eu conquisto e que eu fique só com o que sobrou”. A letra pode ser interpretada como uma crítica em relação à distribuição desigual de renda, em que somente as “sobras” estariam destinadas à população negra. 

Um outro ponto importante a ser observado é que o sujeito do texto, ao ser estampado no jornal fazendo sucesso e não como alguém relacionado ao mundo do crime, desconstrói o estereótipo sobre ele. 

“Imagina que louco, durante o café da manhã, quando ele vai ler o jornal

E vê minha foto na capa e não é por óbito, nem motivo criminal”

 

Ainda assim, vale ressaltar a parte em que o sujeito convoca outros como ele para resistir e ultrapassar as limitações impostas:

“E se você é mais um tipo eu, resista, onde quer que for

Porque

Somos todos alvos”

 

Esse trecho é um exemplo das consequências negativas dos estereótipos. Quem é alvo dessa prática, ao ser visto e reconhecido de modo deformado e simplificado, pode acreditar nessa imagem. Isso acaba provocando repulsa em relação ao próprio corpo, sentimentos de inferioridade, baixa autoestima, quadros de sofrimento psicológico e, muitas vezes, restrição de ambições e oportunidades. 

Portanto, o estereótipo afeta o modo como você vê a si mesmo e os outros no mundo, fazendo com que os grupos alvos sofram cotidianamente pelo fato de existirem numa sociedade que os oprime. É necessário “resistir” à força dos estereótipos que tentam definir quem somos e quais possibilidades temos na sociedade.

Na próxima aula, iremos tratar sobre como a construção dos principais estereótipos na História da Humanidade tiveram relação com interpretações duvidosas do conhecimento da Biologia.

BRAGA, Amanda. “Entre Senhores, Sambas e Cervejas: a construção discursiva da mulata fácil no Brasil”. Revista Brasileira de Estudos da Presença, vol. 7, núm. 2, pp. 333-358, 2017.

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; Apicuri, 2016.

FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

JARDIM, Suzane. “Reconhecendo estereótipos racistas na mídia norte-americana”. Médium. 2016. Disponível em: https://medium.com/@suzanejardim/alguns-estere%C3%B3tipos-racistas-internacionais-c7c7bfe3dbf6. Acessado em 18 de setembro de 2022.