OS ESTEREÓTIPOS DOS CORPOS NEGROS: PLANO DE AULA.

(2) Analisar  fenômenos  naturais  e  processos  tecnológicos,  com  base  nas  interações  e  relações  entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional e global.

(3) Investigar  situações-problema  e  avaliar  aplicações  do  conhecimento  científico  e  tecnológico  e  suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens  próprios  das  Ciências  da  Natureza, para propor soluções que considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e comunicar suas descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC).

(EM13CNT207) Identificar, analisar e discutir vulnerabilidades vinculadas às vivências e aos desafios contemporâneos aos quais as juventudes estão expostas, considerando os aspectos físico, psicoemocional e social, a fim de desenvolver e divulgar ações de prevenção e de promoção da saúde e do bem-estar.

(EM13CNT208) Aplicar os princípios da evolução biológica para analisar a história humana, considerando sua origem, diversificação, dispersão pelo planeta e diferentes formas de interação com a natureza, valorizando e respeitando a diversidade étnica e cultural humana.

(EM13CNT305) Investigar e discutir o uso indevido de conhecimentos das Ciências da Natureza na justificativa de processos de discriminação, segregação e privação de direitos individuais e coletivos, em diferentes contextos sociais e históricos, para promover a equidade e o respeito à diversidade.

Estereótipo

Na BNCC, dentre as competências gerais da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), destacamos aqui um trecho importante para iniciar o plano de aula: 

9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. (p. 10)

A partir do excerto, pode-se afirmar que o Ensino Médio também tem como objetivo o aprimoramento dos estudantes enquanto cidadãos, principalmente no que diz respeito a uma formação que cumpre com o desenvolvimento de uma autonomia intelectual e crítica, visando “(…) a construção de uma sociedade mais justa, ética, democrática, inclusiva, sustentável e solidária (…) (p. 464)”.

Nesse sentido, o presente texto formativo busca fundamentar de modo teórico e prático as discussões sobre preconceitos, estereótipos, práticas coercitivas e violência simbólica, a fim de conscientizar professores e educandos sobre a importância da construção de uma cultura de paz, empatia e respeito às diferenças e diversidades.

Estereótipos: por que essa palavra tão difícil?

Nos últimos anos, um conjunto de mudanças sociais impactaram o modo como vimos as identidades. A partir de uma abundância de denominações, bandeiras e movimentos, o direito à diferença se tornou mote para pensar uma sociedade mais justa e equânime.

Grande parte dessa diversidade étnica, cultural e racial é posicionada enquanto minoria política na sociedade, fato que indica que esse grupo experiencia uma subcidadania, pois não consegue acessar plenamente os direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988. Entretanto, existe uma agência política protagonizada por diferentes sujeitos oprimidos que vem impulsionando mudanças, sobretudo na análise e resolução de questões sobre violências físicas, simbólicas e crises humanitárias. Podemos citar como exemplo a reivindicação por representatividade de pessoas negras, mulheres e LGBTQIA+, tanto nas produções culturais (filmes, novelas, livros, jornais) quanto em posições de poder (cargos executivos, políticos, docência universitária). 

Desse modo, o capítulo promove uma discussão sobre os fundamentos dos estereótipos e o funcionamento dos mesmos enquanto mecanismos de manutenção de atitudes preconceituosas, especialmente no espaço escolar. Essa aula também servirá como apoio para outras, independente da ordem sequencial escolhida, que trabalham com o tema do  preconceito e sobre como a definição biológica de “raça”, difundida enquanto uma verdade, tem contribuído para a manutenção do racismo na sociedade.

Contextualização teórica

Podemos afirmar que a preocupação com o respeito às diferenças étnicas, raciais e culturais só passou a ser alvo de preocupação das nações imperialistas após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, depois de 1945. Até a ascensão do nazismo, a crença no universalismo, na tecnologia, no progresso e na razão – sintetizadas na ideologia do positivismo – eram inabaláveis. Concebido como uma encarnação dos valores da Revolução Francesa, o positivismo foi, então, um movimento filosófico imprescindível para o desenvolvimento do capitalismo e dos Estados-nações.

Ainda que os povos sob o jugo colonial estivessem sofrendo as consequências mais atrozes por estarem na periferia do capitalismo, foi somente com o nazismo  que os países imperialistas reavaliaram os impactos violentos da doutrina positivista porque ele se apropriou das teorias racialistas e promoveu uma ideologia de limpeza étnica, do progresso científico e da objetificação extrema da vida, colocando o Estado  acima de todos. Sendo assim, após a Segunda Guerra Mundial a questão da “raça” passou a ser tema de destaque para o recém criado órgão supranacional, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que inclusive encomendou um estudo sobre o tema no Brasil, a partir da “expertise” nacional, e o replicou como modelo no mundo – este assunto será abordado em outra aula.         

Avançando um pouco o argumento, destacamos que os estudos culturais britânicos, especialmente o crítico cultural e sociólogo de origem jamaicana, Stuart Hall, estavam atentos a essas mudanças. Hall, por exemplo, passou a investigar as articulações das clivagens da diferença que emergiram à época no debate, tais como raça, migração e gênero, e realizou pesquisas sobre comunicação em massa. Seu livro Cultura e Representação (2016) promove discussões contemporâneas sobre representação, linguagem e cultura (entendida como o conjunto de significados compartilhados), dando especial atenção aos efeitos e consequências da representação.

Agora, vamos analisar os problemas em torno da representação na seguinte propaganda de cerveja:

Figura 1: Propaganda Devassa. Fonte: Portal Geledés (2012)

O texto sugere vários sentidos para o corpo da mulher negra, associando-o ao produto cerveja. Segundo Amanda Braga (2017, p. 11-12), a imagem  atualiza a memória de uma escrava sexual. A verdadeira negra tem um corpo exposto, oferece-o aos olhos de quem a observa, traz uma boca entreaberta (como que pronta a entregar-se aos beijos de quem a deseja), porta uma roupa sedutora (que mostra mais do que esconde) e um olhar que revela uma suposta maldade da raça, como já cantava Bororó na década de 1930. E de outro modo não poderia ser: é pelo corpo que a reconhecemos, é por meio de suas curvas que podemos identificá-la, tal qual fazia o comprador de escravas (BRAGA, 2013).

Veja como em uma imagem é possível analisar elementos que comunicam diferentes sentidos ao público. Este é apenas um exemplo de como a representação, seja em texto, imagem, som ou outras formas, pode ser explorada em sala de aula para abordar a temática dos estereótipos.

 1Para uma leitura crítica e de viés pós-colonialista sobre o tema, veja o texto clássico do poeta martinicano Aimé Césaire chamado Discurso sobre o Colonialismo.

Relevância em sala de aula

O racismo e o sexismo estão presentes no cotidiano dos jovens, especialmente nos adolescentes, impactando as relações entre eles e as relações que os mesmos constroem sobre seus corpos e autoestima. Vale notar que o tema da aula também pode estar ligado às práticas de bullying presentes na escola. Portanto, é preciso estar atento (a) à reação dos alunos ao tema e observar de maneira sensível a participação deles na aula, de modo que sejam promovidas atitudes e valores necessários para a construção de uma educação em prol da cidadania e do respeito às diferenças.

Preparando as aulas

Para ministrar essa aula, é necessário que haja uma compreensão dos conceitos de representação, estereótipo, racismo e cultura, tal como está exposto no texto de formação Estereótipos dos corpos negros. Além disso, a aula exige sensibilidade do(a) docente, uma vez que poderá tratar de  traumas e experiências vexatórias pelos quais os estudantes passaram.

Sugere-se abordar o tema em três aulas. Os materiais e recursos necessários são computador, projetor, caixa de som, músicas e vídeos.

Introdução

Para essa aula, duas possibilidades de início são oferecidas:

1) Apresente o poema Mulata exportação, de Elisa Lucinda, a partir da declamação feita pela poetisa,Mulata exportação – Elisa Lucinda – YouTube e/ou por alguém da sala; faça uma leitura compartilhada do texto explore, a partir de perguntas, as diferentes percepções dos alunos em relação ao texto.

2) Exiba o clipe musical do rapper Rashid “Estereótipo” e faça um levantamento sobre as diferentes percepções dos estudantes em relação ao vídeo.

Independente da escolha (1 ou 2), estimule os estudantes a fazer comentários sobre este início.

 

Desenvolvimento

Promova um debate com os alunos por meio das seguintes perguntas:

  • Quais trechos chamaram a atenção de vocês?
  • Quais seriam os sentidos dessa letra musical?
  • Vocês já passaram por situações semelhantes ou conhecem realidades parecidas?
  • Vocês possuem outros exemplos?

O professor/a professora anotará o maior número possível de comentários dos alunos, estando atento(a) àqueles que estão alinhados ao conceito corretamente e àqueles que são problemáticos e precisam ser questionados. Este material será utilizado na aula posterior.

Encerramento

Finalize definindo o conceito de “estereótipo” e faça descrições dos elementos básicos que o acompanham.

Introdução

Retome a aula anterior relembrando o texto/o vídeo discutido, os pontos levantados no debate, a definição do conceito de “estereótipo” e faça uma introdução de como será a próxima aula.

Desenvolvimento

Observação: nem sempre os estereótipos estão relacionados a formas de opressão. Por exemplo, o estereótipo da “loira burra”, apesar de pejorativo, não tem um lastro de violência e exploração associados a isso. Por outro lado, o estereótipo do “japonês inteligente” embora seja visto como “positivo”, pode marcar negativamente a experiência desses jovens, implicando em expectativas exacerbadas sobre eles.

Divida as salas em grupos de 3 a 5 pessoas. Exiba a propaganda da cerveja Devassa. Discuta sobre o que a imagem traz de significados e como eles dialogam com o conceito de estereótipo. O grupo precisa definir pelo menos três comentários sobre a imagem e depois apresentar em plenária (20min).

Um dos representantes do grupo deve entregar ao professor/a professora, de modo escrito, os pontos que cada grupo destacou sobre a propaganda e apresentar em voz alta para a sala. Os grupos precisam estar atentos a cada apresentação para identificar os comentários que se assemelham e os que se diferenciam dos seus. (10min)

Encerramento

Ao final, o professor/a professora deverá questionar os comentários que não se relacionam com o conceito (com a devida atenção para evitar a reprodução de preconceitos) e ressaltar, brevemente, os principais comentários que ajudam a definir o conceito e os sentidos atribuídos à propaganda (15min).

Introdução

Tendo o professor/ a professora organizado o material recebido dos estudantes, nesse momento, por meio de uma aula expositiva, ele/ela deverá mobilizar os comentários acerca da propaganda e relacioná-los com os sentidos propostos pelo artigo “Entre Senhores, Sambas e Cervejas” de Amanda Braga (2017).

Desenvolvimento

Em seguida, pode ser discutida a existência de outros estereótipos, a diferença e a relação dos estereótipos com o bullying e, assim, ressaltar os conceitos de cultura e representação. Aqui, é importante assinalar que as “representações” são textos que, por sua vez, possuem significados compartilhados e que podem ser lidos criticamente após essa aula. É necessário discutir os impactos que o estereótipo tem no modo como as pessoas percebem a si mesmas.

Para fechar esse conjunto de aulas, após ter sido explicado os impactos produzidos pelos conceitos no comportamento dos sujeitos, torna-se necessário esclarecer que esse conhecimento aprendido pelos alunos vem sendo utilizado há muito tempo para fins políticos. Sendo assim, casos em que a produção de estereótipos tiveram relação direta com a história podem ser citados: i) o estereótipo do judeu “ganancioso” que foi colocado como responsável pela intensa crise econômica que a Alemanha vivenciou após a Primeira Guerra Mundial; ii) o estereótipo da mulher negra que foi utilizado para justificar a violência sexual contra mulheres afrodescendentes, antes e depois da escravidão; iii) as imagens do homem negro como violento, insaciável e estuprador para justificar a segregação e os linchamentos nos EUA; iv) as imagens dos jovens negros das periferias do Brasil, muitas vezes chamados de “menor”, cuja representação supõe envolvimento com o crime para servir de álibi à truculência policial e às falsas acusações sobre delitos cometidos.

Encerramento

Vale ressaltar que a principal estratégia para desconstruir os estereótipos está no reconhecimento da individualidade das pessoas, no entendimento de que as características tidas como “coletivas” não definem comportamentos subjetivos e, por fim, na compreensão sobre como os estereótipos foram utilizados com propósitos de submissão de determinados grupos.

BRAGA, Amanda. Entre Senhores, Sambas e Cervejas: a construção discursiva da mulata fácil no Brasil. Revista Brasileira de Estudos da Presença, vol. 7, núm. 2, pp. 333-358, 2017

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Apicuri, 2016.

FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

JARDIM, Suzane. Reconhecendo estereótipos racistas na mídia norte-americana. Médium. 2016. Disponível em: https://medium.com/@suzanejardim/alguns-estere%C3%B3tipos-racistas-internacionais-c7c7bfe3dbf6. Acessado em 18 de setembro de 2022.

Imagens:

Figura 1 e 2: ‘É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra’ – Devassa Negra deve alterar conteúdo “racista e sexista” de propaganda (geledes.org.br)

VEJA TAMBÉM:

Professor(a), para a complementação do processo de ensino-aprendizagem, você pode indicar a leitura do seguinte texto a seus estudantes:

Os estereótipos dos corpos negros